sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O silêncio de Marte



O filme "Perdido em Marte", de Ridley Scott, como disse minha mulher, psicanalista winnicottiana, é o "anti-Avatar".

Você lembra do desfile de bobagens que era o filme de James Cameron de 2009, chamado "Avatar", no qual feras "mordiam" apenas capitalistas malvados?  

E onde a "Natureza" era uma grande deusa-mãe? A natureza, na verdade, está mais para uma besta fera maravilhosa do que para mamãe deusa acolhedora. "Avatar" é infantil, "Perdido em Marte" é adulto.

Ridley Scott fez uma obra para gente grande. Na linguagem dos winnicottianos, gente que percorreu a linha do amadurecimento de forma consistente.

O filme é uma ode a capacidade humana de sobreviver e se relacionar com a vida e com os outros. Mesmo sendo um herói, o personagem de Matt Damon (que é deixado para trás em Marte pelos companheiros, que o tomam como morto) depende diretamente da capacidade de seus pares em manter a decisão de salvá-lo, objetivo este que perseguem de forma honesta, organizada e sem arroubos grandiloquentes.

Todos os personagens são decentes. Aliás, essa é a única crítica negativa possível ao filme: canalhas abundam em toda parte, mas a Nasa do filme é um exemplo de decência possível.

Não vivemos numa época em que se privilegie o amadurecimento, me parece. Somos, nós contemporâneos, excessivamente barulhentos e militantes. Temos concepções de mundo aos montes. Cremos na salvação através da alface e da política. Alguns mesmo chegam a dizer que a verdadeira clínica é a política, quando esta é, na verdade, uma arte grosseira de simplificar o mundo a fim de gerir o poder nele.

Vou dar outro exemplo (além de "Avatar") do que tenho em mente como típico de nossa cultura imatura que mente sobre as coisas para fazer com que tudo lhe pareça mais palatável. Este exemplo vai no sentido oposto do que o filme revela como um ser humano mais maduro e menos infantil (estou seguro que nosso tempo será lembrada como uma era de mimados e ressentidos).

Vi, recentemente, uma propaganda (não interessa do que, apesar de que lembro bem do que era) em que se afirmava que a interpretação da natureza como violenta e competitiva era um erro. Segundo o "entrevistado" na propaganda, a natureza é solidária e colaborativa.

Tudo bem que devemos ser colaborativos (e o filme é um exemplo disso, de forma sóbria e sem exageros "solidários"), mas daí a dizer que a natureza seja solidária e não competitiva é um absurdo, não?

Sempre achei a publicidade um oásis de honestidade intelectual (pensando a vida como ela é), mas, talvez, seja eu um ingênuo no tocante ao produto final dela. Ora, para se vender vale tudo, e se o mundo ficar bobo, temos de defender coisas bobas para fazer os bobos ficarem felizes consigo mesmos, não?

Portanto, já que está na moda cobrir a competição violenta da vida e do mercado com o manto da santidade solidária, a publicidade o fará.

Agora veja o oposto no filme.

Num dado momento, o herói astronauta, numa cena em que está dando aula na academia de astronautas, diz para seus alunos: "Preparem-se porque sempre algo dá errado no espaço, e o espaço não colabora nunca com você".

O espaço de nosso astronauta é a figura da realidade (cósmica) tal como ela é. A natureza na propaganda a qual me referi é a representação infantil de nossa época mimada.

Freud já dizia que o amadurecimento é coisa rara. Podemos agregar que o é porque exige de nós um enorme esforço "anti-Papai Noel".

O grande ganho do imaturo é a percepção de si mesmo como um ser angelical num mundo sem nuances e sombras.
O filme "Perdido em Marte" é uma ode à esperança no ser humano e na sua capacidade de sobreviver e se sacrificar, mas sem baratear o custo dessa esperança e desse sacrifício.

É um exemplo de como a virtude é sempre silenciosa e discreta, e o bem sempre entra pela fresta da porta.

Quem viu o filme (e quem não viu, vá ver) vai lembrar de uma cena final em que o jovem cientista diretamente responsável pela solução do problema assiste de longe ao resultado de seu trabalho, do canto da sala, recusando, discretamente, os holofotes.

Luiz Felipe Pondé

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