Brasil continua sendo também o país dos absurdos, o reino do surrealismo feito de ‘hipocrinismo’, uma mistura pós-moderna de hipocrisia e cinismo
Sem deixar de ser o fenômeno que os primeiros viajantes estrangeiros já
tinham observado e que mais tarde o sociólogo francês Roger Bastide
consagrou no livro “Terra de contrastes”, o Brasil continua sendo também
o país dos absurdos, o reino do surrealismo feito de “hipocrinismo”,
uma mistura pós-moderna de hipocrisia e cinismo.
A cada dia temos mostras disso e, como exemplo, já não cito mais nem o
escandaloso caso do presidente da Câmara, que, pelo jeito, para ser
condenado, talvez tenha que ser despachado para a Suíça. Enquanto isso,
os deputados Chico Alencar e Jean Willys estão na mira do Conselho de
Ética por quebra de decoro.
O autor de uma das representações é o deputado João Rodrigues, do PSD
de Santa Catarina. Para quem não se lembra, é aquele parlamentar que,
durante a votação da reforma política, foi flagrado assistindo a um
vídeo pornô no plenário. “Temos que moralizar a Câmara dos Deputados”,
justificou seu pedido de punição.
Quando lhe perguntaram se ele mesmo não teria quebrado o decoro ao
ficar praticando aquele ato solitário em meio a uma sessão tão
importante, ele entregou parte de seus colegas: “Se fosse crime, metade
dos deputados não estaria na Câmara”.
A revelação reforça a teoria do rabo preso, que procura explicar também
por que Eduardo Cunha, apesar das evidências, recebe tanto apoio
parlamentar. Seria graças à poderosa medida cautelar do “hoje sou eu,
amanhã pode ser você”.
Com a greve dos táxis, o Rio deu sua contribuição ao festival de
absurdos que assola o país. Não é fácil entender um movimento em que 800
pessoas lideradas por um motorista sem autonomia e com três passagens
pela polícia foi capaz de impedir o trabalho de milhares de colegas
profissionais, parando o trânsito com gigantescos engarrafamentos e
fechando vias e túneis.
O resultado é que trajetos que normalmente levam 20/30 minutos para
serem percorridos demoraram até duas horas de carro ou de ônibus. Em vez
de enfrentar a concorrência melhorando seus serviços, os grevistas
agrediram com ovos os colegas que não tinham aderido e os motoristas do
Uber, um aplicativo cujo funcionamento foi autorizado pela Justiça.
Outro aspecto sem sentido desse episódio foi a posição das autoridades
municipais, recusando-se a punir os grevistas da cidade no momento em
que o governo federal baixou uma MP multando os caminhoneiros que
fizeram o mesmo na estrada. Cientistas políticos atribuem a omissão ao
fato de que os “taxistas são cabos eleitorais importantes”, com os quais
o provável candidato oficial teria naturalmente o compromisso de toma
lá, dá cá, ou seja, o rabo preso.
Zuenir Ventura
Do Blog do Noblat
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