Cada vez mais abusadas, algumas palavras
perderam o sentido.
Quase ninguém é capaz de fazer uma distinção
teórica, ou abstrata, entre esquerda e direita políticas e, por
exemplo, o ex-presidente Lula as emprega para lá e para cá, conforme a
necessidade do momento. Ou seja, direita, assim como esquerda, é o que
convém. Nega que seja de esquerda e em seguida vocifera contra manobras da
direita, como se fosse um porta-voz da esquerda continental. Aliás, é
interessante essa conversa de direita e esquerda, considerando-se que
Lula é ex-aluno (isto mesmo) da Universidade Johns Hopkins (isto mesmo,
universidade), venerável, prestigiosa e cara instituição de ensino americana,
onde estudou (isto mesmo) no começo da década de 70 e quem sabe recebeu (não
tenho certeza, mas creio que sim) um diplomazinho, ou certificado, que teria
precedido o diploma de presidente, o qual bem depois lhe foi conferido, ocasião
em que ele proclamou que o primeiro diploma que o operário sem estudo e filho de
mãe analfabeta recebia na vida era o de presidente da República.
Eu, se tivesse tido até mesmo umas duas parcas
semaninhas de seminário na Johns Hopkins, me gabaria de vez em quando, mas esta
vida é assim mesmo, tudo é muito relativo. Talvez ele queira esquecer seu
período de estudante em Baltimore. Lá de fato faz muito frio, embora eu tenha
lido em algum lugar da internet que ele, como sempre simpático, descontraído e
boa-praça, fez sucesso e deixou muitos amigos e admiradores.
Pode ser que não queira encher a bola da
AFL-CIO, poderosa organização sindical americana sob cujos auspícios estudou na
Johns Hopkins e, antes, em São Paulo mesmo. O homem não é só doutor honoris
causa, não, tem outras láureas acadêmicas, conquistadas nos bancos escolares, de
que ele, na sua proverbial modéstia, não fala.
Outra palavra que já merece uma pesquisa
semântica é "elite".
Lula também faz embaixadinhas com ela a torto e a direito e é preciso estar
atento. Assim mesmo, é difícil entendê-la, a começar pela circunstância de
que, desde a época em que foi chamado como promissor talento para a temporada
universitária patrocinada pela AFL-CIO, formadora de quadros sindicais presente,
respeitada e temida em todo o mundo, ele é elite. Foi elite dos
sindicalistas, é elite do partido que está no poder, exerceu o posto mais alto
da elite governante, num país onde o presidente da República é um monarca
tratado com subserviência e vassalagem, viaja esplendidamente para palestras e
lobbying, come do bom, bebe do melhor, é amigo pessoal e companheiro de lazer de
ricos e poderosos, se trata nos mais respeitados hospitais com os mais renomados
médicos, não entra em filas, não pega transporte público, não paga aluguel de
casa nem prestação de carro, não se aporrinha com providências do cotidiano, não
tem preocupação com o futuro, ganha mais do que todos os professores do primeiro
grau da rede pública do Maranhão juntos, manda para lá, desmanda para lá e,
ainda por cima, é cultuado por grande parte do povo. Então, ele não é elite? De que mais se precisa para ser
elite?
Uma aparente novidade não altera a situação
dele e até a faz mais difícil de compreender. Trata-se da expressão
"elite branca". Se bem me lembro - e até conferi nuns clipes que guardo
no computador - Lula tinha o cabelo bem crespo, antes de sua completa
ascensão política. Como sua pele não é alva, poderia talvez, por causa do
cabelo, ter sido considerado pardo ou, como se dizia antigamente, mulato. Ou até
negro, pelos critérios americanos que agradam a tantos. Mas hoje, como o nome
de Conceição, o cabelo dele mudou. Alguém que nunca o tivesse visto antes, nem
em fotografia, tê-lo-ia na conta de branco de nascença. Branco
latino-americano, hispânico para os americanos, mas, em última análise, branco.
Por conseguinte, ele não apenas pertence a várias elites, como pertence à
elite branca, ele ficou branco. De resto, elite branca mesmo, no Brasil, só
as famílias mais prósperas das comunidades de origem europeia, no Sul. Vai
ver que elas acham que die Eschculambazionen foi longe demais e vão chamar dona
Angela Merkel para derrubar o PT.
Por JOÃO UBALDO RIBEIRO
Estadão
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