De quatro em quatro
anos, um curioso fervilhar de criaturas emerge das dobras do tecido social da
Nação: os torcedores de Copa. Pouco entendem de futebol. Assistem aquilo como eu
assisto hóquei-sobre-patins. Em todos os lares brasileiros brotam tias, avós,
cunhados, vizinhos, a criançada, aquelas legiões de leigos sem clube que na Copa
se lembram de que é preciso torcer pela Pátria. Com a gentrificação do
futebol, a cada década um comércio mais caro e mais ferrenhamente imposto à
população, essa torcida passou a invadir os estádios onde as Copas do Mundo são
disputadas.
É gente que
jamais pisaria numa geral do Maracanã. (Como somos velhos, todos nós... somos do
tempo em que havia geral no Maracanã.)
Disse na semana passada Bob
Fernandes, no websaite Terra: “Dúvidas, muitas dúvidas. Como essas senhoras e
senhoritas conseguirão pular, saltar, vibrar nas arquibancadas com tanto salto
12? Sob o escaldante sol do Ceará resistirão as maquiagens, o gel dos rapazes e
dos senhores?” Os neo-torcedores são incapazes de reconhecer um time pelo seu
escudo, mas adoram comemorar gols. Gostam de se fantasiar, de dançar, de tirar
fotos. São as meninas lindas e esfuziantes que passam o ano inteiro voando
Brasil afora, de norte a sul, para participar de carnavais fora de época; a
turma que pode dar não-sei-quantos-mil reais num abadá de bloco. Não vão à
arquibancada para torcer, vão na esperança de aparecer no telão, de receber
tuítes: “Amiga, arrasou nesse modelito!!!”. Para a
turma-que-pode-pagar-mais-caro, o país é uma festa móvel, um réveillon sem fim,
e agora, vejam só, Copa do Mundo no Brasil, a possibilidade de fazer parte de
uma coisa que está sendo assistida com inveja de Miami a Bariloche!
No extremo oposto, temos os
torcedores calejados, que entendem de futebol sim, que torcem sim, que conhecem
até o roupeiro do time, que podem recitar de cor cinquenta escalações diferentes
de seu clube, até mesmo de antes deles próprios terem nascido. E olhe, não me
refiro aos “hooligans”, aos que vão para brigar; me refiro aos torcedores que
apenas torcem, que estão lá sinceramente por amor ao time, mas é um amor meio
shakespeariano, que corre o risco de transbordar em sangue derramado. Viajam
passando fome, se endividam, dormem na rua, levam garrafada na cabeça, mas
torcem, gritam, ululam, enrouquecem e enlouquecem durante 90 minutos porque é
sua forma de entrar em campo e ajudar a bola a transpor a linha
fatal.
Claro, são duas
caricaturas, dois extremos da escala. Mas qual dos dois está certo, qual está
errado? Qual dos dois deveria ser extinto para que só o outro prevalecesse?
Qual dos dois é o Brasil?
Braulio Tavares
(mundo fantasmo)
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