Em seu recém-lançado livro Quem Pensas
Tu que Eu Sou?, o psicanalista Abrão Slavutsky reflete sobre a
necessidade de conquistar o reconhecimento alheio para que possamos
desenvolver nossa autoestima. Mas como sermos percebidos generosamente
pelo olhar dos outros? Os ensaios que compõem o livro percorrem vários
caminhos para encontrar essa resposta, em capítulos com títulos
instigantes como Se o Cigarro de García Márquez Falasse, Somos Todos
Estranhos ou A Crueldade é Humana. Mas já no prólogo o autor oferece a
primeira pílula de sabedoria. Ele reproduz uma questão levantada e
respondida pelo filósofo Sêneca: “Perguntas-me qual foi meu maior
progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo”.
Como
sempre, nosso bem-estar emocional é alcançado com soluções simples, mas
poucos levam isso em conta, já que a simplicidade nunca teve muito
cartaz entre os que apreciam uma complicaçãozinha. Acreditando que a
vida é mais rica no conflito, acabam dispensando esse pó de
pirilimpimpim.
Para ser amigo de si mesmo é preciso
estar atento a algumas condições do espírito. A primeira aliada da
camaradagem é a humildade. Jamais seremos amigos de nós mesmos se
continuarmos a interpretar o papel de Hércules ou de qualquer
super-herói invencível. Encare-se no espelho e pergunte: quem eu penso
que sou? E chore, porque você é fraco, erra, se engana, explode, faz
bobagem. E aí enxugue as lágrimas e perdoe-se, que é o que bons amigos
fazem: perdoam.
Ser amigo de si mesmo
passa também pelo bom humor. Como ainda há quem não entenda que sem
humor não existe chance de sobrevivência? Já martelei muito nesse
assunto, então vou usar as palavras de Abrão Slavutsky: “Para atingir a
verdade, é preciso superar a seriedade da certeza”. É uma frase genial. O
bem-humorado respeita as certezas, mas as transcende. Só assim o
sujeito passa a se divertir com o imponderável da vida e a tolerar suas
dificuldades.
Amigar-se consigo
também passa pelo que muitos chamam de egoísmo, mas será? Se você faz
algo de bom para si próprio estará automaticamente fazendo mal para os
outros? Ora. Faça o bem para si e acredite: ninguém vai se chatear com
isso. Negue-se a participar de coisas em que não acredita ou que
simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e
boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o
desagrade só para agradar aos outros. Mas seja gentil e educado, isso
reforça laços, está incluído no projeto “ser amigo de si mesmo”.
Por
fim, pare de pensar. É o melhor conselho que um amigo pode dar a outro:
pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido, neurotizar relações,
comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices, estender
discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que é,
fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”. Sem essa. O
mundo nem estava prestando atenção em você, acorde. Salve-se dos seus
traumas de infância. Quem não consegue sozinho, deve acudir-se com um
terapeuta. Só não pode esquecer: sem amizade por si próprio, nunca
haverá progresso possível, como bem escreveu Sêneca cerca de 2.000 anos
atrás. Permanecerá enredado em suas próprias angústias e sendo nada
menos que seu pior inimigo.
Martha Medeiros é jornalista e escritora brasileira
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