Há muito de ilusório no que comumente se chama de meritocracia. Uma
grande capacidade intelectual, por exemplo, pode estar mais associada à
loteria genética do que a esforços pessoais. O decisivo entorno familiar
e cultural também se subordina ao acaso.
Tais noções, mais o valor da multiplicidade cultural e de experiências,
reforçam a ideia de que é legítimo e desejável tornar as universidades
públicas mais diversas e, nesse processo, contribuir para que estratos
socialmente prejudicados se emancipem.
Mais importante instituição de ensino superior do país, a USP por anos
resistiu à adoção de ações afirmativas. Cedeu agora às pressões e
implantará cotas sociais e raciais, conforme deliberação de seu Conselho Universitário.
Metade das vagas será destinada à ampla concorrência; as demais serão
reservadas a estudantes oriundos da escola pública, com critérios de
diversidade racial.
A introdução do sistema será paulatina. Neste ano, 37% dos ingressantes
na universidade paulista vieram da rede pública. O percentual deve
aumentar ano a ano, até 50% em 2021.
Esse contingente deverá refletir a proporção de pretos, pardos e índios
na população do Estado, que é de 37%. Dessa maneira, 18,5% dos alunos da
USP serão selecionados a partir desse método, ao final do período de
implementação.
Esta Folha lamenta o modelo adotado. Aqui se defende há tempos que o critério para ingresso especial nas universidades seja exclusivamente social.
Renda, ao contrário de cor, é algo objetivamente mensurável. Além do mais, dada a estreita correlação entre pobreza e pele mais escura, os negros também estariam dessa maneira contemplados.
Tal política evitaria ainda a proliferação das infames comissões de
classificação racial, que evocam alguns dos piores momentos da
humanidade. Parece mera questão de tempo a demanda por colegiados desse
tipo na USP, para combater "fraudes" na autodeclaração -como se isso
fosse logicamente possível.
No mais, não faz sentido sustentar que uma família branca tão carente
quanto uma negra não deva receber o apoio do poder público apenas
devido a sua cor.
Para a meta de buscar uma sociedade mais igualitária, há um debate
relevante e infelizmente negligenciado na agenda pública. Trata-se da
cobrança de mensalidades dos alunos cujas famílias tenham condições de
pagá-las.
Hoje os impostos incidentes sobre todos, incluindo os mais pobres,
financiam a formação de pessoas que, se já não figuram entre as mais
ricas, tenderão a alcançar renda acima da média apenas por conseguirem
título universitário.
Editoral da Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário