Uma vez,
conversando com amigos estrangeiros, perguntaram-me quem era o maior
escritor brasileiro; respondi que era Guimarães Rosa. Ninguém tinha
ouvido falar nele; quiseram saber que tipo de escritor era. Eu disse:
“Imagine os romances de J. R. R. Tolkien escritos por James Joyce.”
Riram porque pensaram que era piada, mas não era, era um mero exagero. A crítica literária brasileira, especialmente a que sofreu influência do Concretismo paulistano, sempre compara Rosa com Joyce; nunca vi ninguém compará-lo com Tolkien. E no entanto a obra dos dois tem imensas semelhanças, que me voltam à mente ao assistir o terceiro episódio da magnífica trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson.
Tanto Rosa quanto Tolkien imaginaram uma região mítica, fundada em suas vivências pessoais e em suas fantasias metafísicas.
O Sertão de Rosa é, para usar uma linguagem meio pedante, semanticamente realista (porque tudo ali é observado, é anotado em caderneta, é pesquisado junto aos mais-velhos: usos, costumes, lugares, plantas, bichos) mas sintaticamente mágico, porque os acontecimentos e os destinos dos personagens parecem orquestrados por potestades invisíveis.
Esse sertão que na superfície é tão mineiro, tão geográfico, tem uma escala épica que o transforma no campo de batalha entre as forças de Deus e as do Diabo.
Quanto a Tolkien, criou a Terra Média (Middle Earth), supostamente uma era remota no passado do nosso planeta, povoada por reis, guerreiros, e raças fantásticas (elfos, anões, orcs, trolls, etc.), que foram varridas da Terra depois que o Homem tornou-se o seu dono.
À primeira vista, o mundo de Tolkien é totalmente fantástico, mas basta ler uma biografia sua (especialmente a de Humphrey Carpenter) para ver como seu processo criativo era realista.
Tolkien compunha para seus reis árvores genealógicas inteiras, que se estendiam por milênios. Os elfos têm uma linguagem completa, toda inventada por ele (e falada pelos atores em trechos dos filmes). Seu cuidado ao descrever as aventuras de Frodo o fazia calcular desde a fase da lua em determinada noite até quanto tempo alguém levaria para ir a pé ou a cavalo de um lugar para outro (aspecto em que autores de romances não-fantásticos, como Walter Scott, muitas vezes se fazem de doidos).
Apesar das evidentes diferenças entre Grande Sertão: Veredas e O Senhor dos Anéis, ambos têm um sopro épico semelhante, ambos são a epopéia de um grupo pequeno de guerreiros do Bem enfrentando um grupo impiedoso de guerreiros do Mal.
Os “orcs” da Terra Média e os “hermógenes” que Riobaldo enfrenta nas batalhas sertanejas são personificações do Mal que um herói hesitante e problemático precisa derrotar.
Há muitos paralelos de detalhes que podem ser traçados entre as duas obras, mas mais importante do que isto é o espírito de nobre maniqueísmo medieval que os dois autores compartilhavam. O Bem existe. O Mal também. E é preciso pegar em armas para combater o Mal.
Bráulio Tavares
Riram porque pensaram que era piada, mas não era, era um mero exagero. A crítica literária brasileira, especialmente a que sofreu influência do Concretismo paulistano, sempre compara Rosa com Joyce; nunca vi ninguém compará-lo com Tolkien. E no entanto a obra dos dois tem imensas semelhanças, que me voltam à mente ao assistir o terceiro episódio da magnífica trilogia O Senhor dos Anéis de Peter Jackson.
Tanto Rosa quanto Tolkien imaginaram uma região mítica, fundada em suas vivências pessoais e em suas fantasias metafísicas.
O Sertão de Rosa é, para usar uma linguagem meio pedante, semanticamente realista (porque tudo ali é observado, é anotado em caderneta, é pesquisado junto aos mais-velhos: usos, costumes, lugares, plantas, bichos) mas sintaticamente mágico, porque os acontecimentos e os destinos dos personagens parecem orquestrados por potestades invisíveis.
Esse sertão que na superfície é tão mineiro, tão geográfico, tem uma escala épica que o transforma no campo de batalha entre as forças de Deus e as do Diabo.
Quanto a Tolkien, criou a Terra Média (Middle Earth), supostamente uma era remota no passado do nosso planeta, povoada por reis, guerreiros, e raças fantásticas (elfos, anões, orcs, trolls, etc.), que foram varridas da Terra depois que o Homem tornou-se o seu dono.
À primeira vista, o mundo de Tolkien é totalmente fantástico, mas basta ler uma biografia sua (especialmente a de Humphrey Carpenter) para ver como seu processo criativo era realista.
Tolkien compunha para seus reis árvores genealógicas inteiras, que se estendiam por milênios. Os elfos têm uma linguagem completa, toda inventada por ele (e falada pelos atores em trechos dos filmes). Seu cuidado ao descrever as aventuras de Frodo o fazia calcular desde a fase da lua em determinada noite até quanto tempo alguém levaria para ir a pé ou a cavalo de um lugar para outro (aspecto em que autores de romances não-fantásticos, como Walter Scott, muitas vezes se fazem de doidos).
Apesar das evidentes diferenças entre Grande Sertão: Veredas e O Senhor dos Anéis, ambos têm um sopro épico semelhante, ambos são a epopéia de um grupo pequeno de guerreiros do Bem enfrentando um grupo impiedoso de guerreiros do Mal.
Os “orcs” da Terra Média e os “hermógenes” que Riobaldo enfrenta nas batalhas sertanejas são personificações do Mal que um herói hesitante e problemático precisa derrotar.
Há muitos paralelos de detalhes que podem ser traçados entre as duas obras, mas mais importante do que isto é o espírito de nobre maniqueísmo medieval que os dois autores compartilhavam. O Bem existe. O Mal também. E é preciso pegar em armas para combater o Mal.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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