domingo, 23 de julho de 2017

Em nome da angústia: uma meditação sobre a morte



O suicídio de Virginia Woolf em 28 de março de 1941 é um dado biográfico absolutamente especial. Ele faz pensar em aspectos da morte e do morrer. No gesto de cancelamento da vida pela qual optou a escritora, podemos ver a depressão e a melancolia, ou a fuga de um mundo em guerra em tempos fascistas, inevitavelmente deprimentes para quem se mantinha ética e politicamente sensível. Talvez ainda Virginia Woolf tenha praticado um último ato no sentido do direito à morte como direito de luta pela liberdade que é própria à vida pensada como categoria ética e política. Quem vai saber?

Quem se contenta em resolver o problema da morte com aquela frase do filósofo Epicuro “não conhecemos a morte porque, quando ela chega, já não estamos presentes” sabe que se trata de uma frase de efeito que pode servir, em última instância, para evitar uma reflexão capaz de produzir muita angústia. Em tempos fascistas como os nossos, tempos que se repetem historicamente, mais do que nunca, é preciso pensar sobre a morte e renovar nossa relação com a angústia. A angústia tem algo a nos ensinar, que não precisamos nos matar e que não devemos matar os outros.

Ora, vivemos em tempos fascistas, tempos em que há muitas práticas de morte, morte por descaso e assassinato, e nenhuma reflexão sobre ela. Pensar na morte pega mal na era da felicidade banal típica desses tempos em que toda angústia é evitada. O fascista não sente angústia. E isso porque a morte não é, para ele, uma alternativa. Ele não lembra que vai morrer. Ele não morre simbolicamente como acontece às pessoas em geral algumas vezes na vida. Ora, o fascista não morre porque não pode morrer. Não morre justamente porque, como o confirma sua rigidez, ele já está morto.

Vida como categoria política

Antes de ser uma categoria médica ou biológica, a vida é uma categoria política. Como categoria política, a vida implica a nossa potência para a relação simbólica com o outro que é sempre uma relação de reconhecimento. Aquele que não reconhece a alteridade está morto. Está politicamente morto. Ora, quem está politicamente morto, está morto.

O cadáver é a objetificação total. Nele não há mais chance de estabelecer relação com o outro. Há cadáveres vestidos de morto fingindo estar vivos. De paletó e gravata eles dão as regras do jogo – sempre político – dos outros que, juntos, permanecem vivos. O cadáver veste a fantasia do político profissional e sobe ao palco espetacular dos meios de comunicação. Ali ele lança seu vômito apodrecido contra a dança da vida que é a dionisíaca dança da diferença.

No cenário político brasileiro, há quem, sendo sensível como Virgínia Woolf, pense que seria melhor morrer de vez. Há quem se deprima e pense em se matar. A depressão também é uma categoria política.

Fascista, a propósito, é um termo genérico que traduz uma expressão mais específica: personalidade autoritária. Em alta em nossa cultura ela nasce da cópula entre a paranoia e a ignorância. O outro não passa, no seu regime, de “tudo o que não presta” e que deve ser eliminado.

A fantasia da morte pode ser uma real perda de tempo, mas a meditação sobre a morte já ensinou muitos filósofos a viver. O tabu no qual o suicídio se tornou nos impede de ver o doloroso ensinamento de Virginia Woolf morrendo em um mundo morto sem chance de reinventar a vida.

Hoje não basta evitar falar do suicídio ou evitar praticá-lo. Seria preciso reinventar a vida. Essa reinvenção é necessariamente política. A pergunta que podemos nos colocamos é se um fascista seria, no atual momento político, capaz de meditar sobre sua própria morte.

Márcia Tiburi

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