Cartola é considerado um dos nossos compositores mais elegantes. Os
historiadores contemporâneos do samba ressaltam o lado nobre, elegante,
refinado de muitos sambistas. Essa atitude vem reparar uma das
injustiças críticas que se faz com a música negra, de considerá-la
sempre primitiva, meio selvagem, inculta, impondo-se mais pela
exuberância dos ritmos e pelo espírito dionisíaco do que por qualidades
que inconscientemente assimilamos à cultura branca e européia: a
inteligência, a delicadeza, o refinamento. Daí que muitos analistas do
samba procurem, com justiça, ver essas qualidades em artistas como
Pixinguinha, Ataulfo Alves, Moacir Santos, Paulinho da Viola, Paulo
Moura. Além de Cartola.
Tomarei como exemplo uma das suas canções mais conhecidas: “As rosas não falam”. É uma canção épica, gigantesca, definidora de nossa nacionalidade? De jeito nenhum. É uma pequena canção de amor, com tudo de positivo que a palavra “pequena” implica: justamente a delicadeza, o refinamento, o equilíbrio e a elegância de que falei acima.
A letra descreve a situação de um sujeito encalhado entre o abandono e a esperança: “Bate outra vez / com esperanças o meu coração / pois já vai terminando o verão / enfim. // Volto ao jardim / com a certeza que devo chorar / pois bem sei que não queres voltar / para mim.” A situação recorrente (“outra vez”, “volto”) é reforçada pela mudança melódica – o primeiro trecho, até “enfim”, tem uma melodia redonda, tranquila; o segundo, a partir de “volto ao jardim”, tem uma melodia mais angustiada, numa tensão dada principalmente pelas três notas das sílabas de “com a cer-TE-za que DE-vo cho-RAR”.
Vêm a seguir os versos mais famosos: “Queixo-me às rosas. / Que bobagem, as rosas não falam. / Simplesmente as rosas exalam / o perfume quer roubam de ti”. A elegância de Cartola surge toda neste trecho, pelo uso de um verbo rebuscado que pareceria pretensioso e artificial na maioria dos contextos. Imagino que a primeira idéia do poeta foi dizer algo como “que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas se calam...” Mas teve que repelir uma redundância desse tipo. Ousou empregar o verbo “exalam” sabendo que a aceitação do leitor/ouvinte seria recompensada por uma imagem de grande força lírica, a de que o perfume das rosas é roubado à mulher amada.
Nos versos seguintes (“Devias vir / para ver os meus olhos tristonhos / e quem sabe sonhavas meus sonhos / por fim”), Cartola inverte o processo. Usa propositalmente uma rima clichê (sonhos/tristonhos), mas em troca de outra bela imagem: “e quem sabe sonhavas meus sonhos / por fim”. Esta imagem me lembra o filme A Hora do Lobo de Ingmar Bergman, em que uma mulher ama um homem com tal intensidade e desprendimento que passa a ver também as alucinações que o acometem. Quando dizemos “sonhe comigo” não estamos pedindo “tenha um sonho em que eu apareça”. Estamos propondo: sonhemos em uníssono, sonhemos juntos o mesmo sonho.
Tomarei como exemplo uma das suas canções mais conhecidas: “As rosas não falam”. É uma canção épica, gigantesca, definidora de nossa nacionalidade? De jeito nenhum. É uma pequena canção de amor, com tudo de positivo que a palavra “pequena” implica: justamente a delicadeza, o refinamento, o equilíbrio e a elegância de que falei acima.
A letra descreve a situação de um sujeito encalhado entre o abandono e a esperança: “Bate outra vez / com esperanças o meu coração / pois já vai terminando o verão / enfim. // Volto ao jardim / com a certeza que devo chorar / pois bem sei que não queres voltar / para mim.” A situação recorrente (“outra vez”, “volto”) é reforçada pela mudança melódica – o primeiro trecho, até “enfim”, tem uma melodia redonda, tranquila; o segundo, a partir de “volto ao jardim”, tem uma melodia mais angustiada, numa tensão dada principalmente pelas três notas das sílabas de “com a cer-TE-za que DE-vo cho-RAR”.
Vêm a seguir os versos mais famosos: “Queixo-me às rosas. / Que bobagem, as rosas não falam. / Simplesmente as rosas exalam / o perfume quer roubam de ti”. A elegância de Cartola surge toda neste trecho, pelo uso de um verbo rebuscado que pareceria pretensioso e artificial na maioria dos contextos. Imagino que a primeira idéia do poeta foi dizer algo como “que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas se calam...” Mas teve que repelir uma redundância desse tipo. Ousou empregar o verbo “exalam” sabendo que a aceitação do leitor/ouvinte seria recompensada por uma imagem de grande força lírica, a de que o perfume das rosas é roubado à mulher amada.
Nos versos seguintes (“Devias vir / para ver os meus olhos tristonhos / e quem sabe sonhavas meus sonhos / por fim”), Cartola inverte o processo. Usa propositalmente uma rima clichê (sonhos/tristonhos), mas em troca de outra bela imagem: “e quem sabe sonhavas meus sonhos / por fim”. Esta imagem me lembra o filme A Hora do Lobo de Ingmar Bergman, em que uma mulher ama um homem com tal intensidade e desprendimento que passa a ver também as alucinações que o acometem. Quando dizemos “sonhe comigo” não estamos pedindo “tenha um sonho em que eu apareça”. Estamos propondo: sonhemos em uníssono, sonhemos juntos o mesmo sonho.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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