Ateísmo não oferece nada parecido, em drama e beleza, com o grande circo místico das crenças e das narrativas religiosas, que, além de encantarem, prometem a salvação
‘As loiras se divertem mais”, dizia um slogan publicitário, acho que de tintura para cabelos, anos atrás.
Não sei se loiras naturais ou artificiais se divertem mesmo mais, sei
que os céticos se divertem menos. Ser um cético na vida significa
renunciar a tudo que maravilha e consola os que acreditam.
Minha reação ao que as pessoas estão dispostas a crer para que a vida e
a morte tenham sentido, por mais irracional que seja, não é de
superioridade intelectual: é da mais baixa inveja.
Inteligente é quem descobre em uma ou mais das grandes cosmogonias
religiosas, no guru mais próximo ou em qualquer ordenação do
sobrenatural a explicação de tudo, burro é quem se priva dessas
certezas.
Não me canso de contar que, quando fazia o horóscopo no jornal, nunca
deixava de ler, no dia seguinte, o que eu mesmo previra para o meu
signo. Já que o Universo e a existência são coisas tão misteriosas, que
nenhuma explicação é mais ou menos provável do que outra, até um cético
como eu poderia estar sendo usado, sem saber, para transmitir mensagens
do céu.
Não acho uma boa que livros como os do Richard Dawkins e do Christopher
Hitchens, que defendem o ateísmo, se transformem em best-sellers.
Precisamos, isto sim, de livros de céticos e ateus defendendo a
hipocrisia, ou a necessidade de se crer no incrível para evitar niilismo
e suores noturnos.
Na falta de argumentos racionais para o antirracionalismo, se pode
dizer que o ateísmo não oferece nada parecido, em drama e beleza, com o
grande circo místico das crenças e das narrativas religiosas, que, além
de encantarem, ainda prometem a salvação — e não vamos nem falar no teto
da Capela Sistina, que nenhum ateu faria igual.
O ateísmo é aborrecido como um mundo sem loiras.
Para seguir meu próprio conselho mas não ser completamente falso,
declaro que escolhi, racionalmente, um Deus no qual acreditar. É o Deus
das escrituras, mas não é o Deus de todo o mundo. É o que comandou o
Dilúvio, para varrer com tudo o que existia na Terra e começar de novo.
Portanto, um Deus com uma surpreendente característica humana, para um
ser onipotente: a de reconhecer seu erro, levantar, sacudir a poeira,
dar a volta por cima e começar de novo, como no samba.
O Deus do Dilúvio é o Deus das dúvidas e do segundo pensamento. Um Deus com quem, decididamente, se pode conversar.
Luis Fernando Veríssimo
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