Eu ia colocar o nome de Monteiro Lobato
no título desta pequena crônica, mas achei que não valia a pena. Afinal
de contas, ele é um caso especial: não há dúvida sobre o racismo de
nosso mais famoso autor infanto-juvenil. Como exemplos maiores, temos o
final de Urupês, onde a miscigenação é condenada na
apresentação do polêmico personagem Jeca Tatu — que depois tornou-se o
pobre esquecido por um governo omisso — mas que antes fora apenas um
caboclo inferior e inapto. Para o autor, o caboclo era um “funesto
parasita da terra”, “seminômade, inadaptável à civilização”. Tá bom.
Se isso já era público, em 2011 foi
divulgada uma carta do escritor enviada a Arthur Neiva em 10 de abril de
1928, e publicada na revista Bravo! em maio de 2011. Ali temos Lobato defender a Ku Klux Klan e seus ideais.
“País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Ku-Klux-Klan, é país perdido para altos destinos […] Um dia se fará justiça a Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva”.
Mas hoje estava pensando no branco mais
negro do Brasil, aquele que paradoxalmente se auto-denominava “Capitão
do Mato Vinicius de Moraes”. Durante o império, ou melhor, durante a
época da escravatura, o capitão do mato era um empregado
público, uma espécie de policial encarregado de reprimir os pequenos
delitos ocorridos no campo. Na sociedade escravocrata brasileira, sua
principal tarefa era a de capturar os escravos fugidos.
Normalmente eles eram escravos libertos,
o que fazia com que fossem superiores tanto aos escravos e como aos
pobres livres, porém ainda assim ficavam na última categoria como
empregado público. Por serem em maioria de origem escrava, eram odiados
pelos cativos, já que um dia os capitães tinham pertencido a mesma
posição social que eles.
Geralmente formavam grupos que variavam
de acordo com a quantidade de escravos fugitivos, trabalhando em
conjunto com as forças militares da colônia. A função deles era impedir a
fuga de escravos e capturar os que conseguissem fugir, então tinha
dupla função: a de amedrontar e de reprimir. Não, não tinham a menor
nobreza.
Com o tempo, a expressão capitão do mato passou
a incluir aquelas pessoas que não eram funcionárias públicas, mas que,
para ganhar uma grana, passaram a procurar fugitivos para depois
entregá-los aos seus donos mediante prêmio.
O capitão do mato gozava de nenhum
prestígio social, seja entre os negros que tinham neles os seus inimigos
naturais, seja na sociedade escravocrata, que suspeitava que eles
sequestravam escravos apanhados ao acaso, esperando vê-los declarados em
fuga para depois devolvê-los contra recompensa.
Agora, que brincadeira foi essa de
Vinícius — que cantava sambas, fazia a apologia do negro e ainda seguia
religião africana — ter apelidado a si mesmo de capitão do mato?
Olhem só este trecho do Samba da Bênção:
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Se alguém souber me explicar, por favor.
Do Blog do Milton Ribeiro
2 comentários:
Questão importante e sem resposta
Questão importante e sem resposta. Faria elo com sua mocidade, uma vez que o resgate da brasilidade africana se deu na maturidade, mais especificamente com a parceria de Baden Powel
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