Você já se sentiu um pouco mbuki-mvuki - aquela vontade irresistível de tirar as roupas enquanto dança? Ou talvez tenha batido aquele kilig - uma tremedeira nervosa ao falar com alguém de quem gosta? E o que dizer do uitwaaien - que define os efeitos revitalizantes de uma caminhada ao vento?
Essas
palavras - do bantu (África), tagalo (Filipinas) e holandês - não
possuem correspondente direto em inglês, mas representam experiências
emocionais precisas, negligenciadas na língua mais importante do mundo. E
se o pesquisador Tim Lomas, da Universidade do Leste de Londres,
estiver no caminho certo, talvez elas em breve se tornem mais
familiares.
Um projeto de Lomas, batizado Lexicografia Positiva, quer capturar os
diferentes "sabores" de sentimentos positivos (alguns são bem amargos)
encontrados pelo mundo, para que possamos começar a incorporá-los em
nosso cotidiano.
O inglês já incorporou "palavras de emoção" de
outras línguas - como o "frisson" do francês ou o "schadenfreude"
(prazer derivado do fracasso alheio) do alemão - , mas há muitas
palavras que ainda não chegaram ao nosso vocabulário. Lomas identificou
centenas dessas experiências "intraduzíveis" - e está apenas começando.
Aprender
essas palavras, afirma ele, pode nos oferecer um entendimento mais rico
de nós mesmos. "Elas oferecem uma maneira bem diferente de ver o
mundo", diz.
Lomas afirma que se inspirou após ouvir uma palestra sobre o conceito finlandês de sisu, que é um tipo de "determinação extraordinária diante da adversidade".
Segundo
finlandeses, as ideias de "perseverança" e "resiliência" não chegam nem
perto de descrever a força interior contida nesse termo local. É algo
"intraduzível" nesse sentido: não ha equivalente direto ou fácil no
vocabulário do ingles que capture essa profundidade do termo.
Intrigado,
Lomas começou a buscar mais exemplos, entre amigos estrangeiros e na
literatura acadêmica. Os primeiros resultados do projeto foram
publicados em 2016 no periódico Journal of Positive Psychology.
Muitos dos termos se referiam a sentimentos positivos bem específicos, que dependem de circunstâncias particulares:
- Desbundar (português) - abandonar as inibições para se divertir
- Tarab (árabe) - um estado de êxtase ou encantamento induzido pela música
- Shinrin-yoku (japonês) - o relaxamento que vem de um banho na floresta, em sentido figurado ou literal
- Gigil (tagalo) - a vontade irresistível que beliscar ou apertar alguém muito querido ou amado
- Yuan bei (chinês) - um senso de realização completa e perfeita
- Iktsuarpok (inuíte) - a ansiedade sentida ao esperar por alguém, aquela de ficar sempre checando se a pessoa já chegou
Mas outras palavras representam experiências ainda mais complexas e amargas, que podem ser cruciais ao nosso amadurecimento.
- Natsukashii
(japonês) - um sentimento nostálgico de falta do passado, com alegria
pela lembrança, mas tristeza pelo tempo que não volta mais
- Wabi-sabi (japonês) - uma "sublimidade desolada e obscura", centrada na transitoriedade e imperfeição na beleza
- Saudade
(português) - uma nostalgia melancólica por uma pessoa, lugar ou coisa
que está longe no tempo ou espacialmente - um desejo vago por algo que
pode nem existir
- Sehnsucht (alemão) - um desejo intenso por estados alternativos de vivência e realizações da vida, mesmo que sejam inatingíveis
Além
dessas emoções, a lexicografia (redação e produção de dicionários) de
Lomas também enumerou características pessoais e comportamentos que
podem determinar nosso bem-estar de longo prazo e modos como interagimos
com outras pessoas.
- Dadirri (aborígene australiano) - um ato profundo e espiritual de escutar de forma reflexiva
- Pihentagyú
(húngaro) - significa literalmente "com o cérebro relaxado" e descreve
pessoas de pensamento ágil que trazem piadas ou soluções sofisticadas
- Desenrascanço (português) - livrar-se de uma situação embaraçosa de maneira criativa
- Sukha (sânscrito) - felicidade genuína e duradoura, independentemente das circunstâncias
- Orenda (huron) - poder humano de mudar o mundo diante de forças poderosas como o destino
Há
muitos outros exemplos no site de Lomas, onde você também pode submeter
suas próprias sugestões de palavras. O pesquisador reconhece que muitas
das descrições que oferece até agora são apenas aproximações dos
significados verdadeiros dos termos. "O projeto é um trabalho em aberto,
e estou permanentemente tentando refinar as definições. Comentários e
sugestões das pessoas são muito bem-vindos."
No futuro, Lomas espera que outros psicólogos possam investigar as
causas e consequências dessas experiências - para ampliar nossa
compreensão das emoções para além dos conceitos em inglês que dominaram
as pesquisas até agora.
Mas estudar esses termos não reflete um
interesse apenas científico; Lomas acredita que conhecer melhor essas
palavras pode de fato mudar a maneira como sentimos, ao chamar nossa
atenção para sensações que até então ignorávamos.
"Em nosso fluxo
de consciência - aquela enxurrada de diferentes sensações e emoções - há
tanta coisa para processar que muitas passam despercebidas", afirma o
psicólogo.
"Os sentimentos que aprendemos a reconhecer e rotular
são aqueles que percebemos - mas há muitos outros que talvez nem
saibamos. Acho que incorporar essas novas palavras pode nos ajudar a
articular áreas da experiência que mal notamos."
Classificando emoções
Para
comprovar sua ideia, Lomas cita o trabalho de Lisa Feldman Barrett, da
Universidade Northeastern, que mostra que nossas capacidades de
identificar e classificar emoções podem ter efeitos mais abrangentes.
A
pesquisa de Barrett se inspirou na observação de pessoas que usam
diferentes palavras para descrever as mesmas emoções, enquanto outras
são bem precisas nas descrições.
"Algumas pessoas usam palavras
como ansiedade, medo, raiva e nojo para se referir a um estado geral de
se sentir mal", diz ela. "Para elas, as palavras são sinônimos, mas
outras são sentimentos diferentes associados a ações distintas."
Isso
é algo chamado "granularidade das emoções" e ela normalmente mede esse
indicador pedindo que entrevistados deem notas a seus sentimentos a cada
dia por algumas semanas. Ela calcula a variação e as nuances nesses
relatórios: se os mesmos termos sempre coincidem, por exemplo.
Ela descobriu que isso determina como lidamos com a vida. Se você tem
mais facilidade em descrever se se sente desesperado ou ansioso, por
exemplo, você pode ter mais facilidade para lidar com esses sentimentos:
se irá conversar com um amigo ou assistir a uma comédia.
Nesse
sentido, o vocabulário de emoções é quase como um arquivo, que permite
recorrer a um número maior de estratégias para lidar com a vida.
Pessoas
com indices altos de granularidade de emoções são melhores em se
recuperar do estresse e tem menor propensão a beber para se recuperar de
situações difíceis. E podem até ter melhores performances acadêmicas.
Marc
Brackett, da Universidade de Yale, apontou que ensinar crianças de 10 e
11 anos um vocabulário de emoções mais amplo elevou as notas e promoveu
melhor comportamento em sala de aula. "Quanto mais granular é a nossa
experiência das emoções, mais somos capazes de compreender nossa vida
interior", diz Brackett.
Brackett e Barrett concordam que a
"lexicografia positiva" de Lomas pode ser um bom impulso para começar a
identificar os contornos mais sutis de nosso horizonte emocional. "Acho
que é nem útil - você pode pensar nas palavras e conceitos associados
como ferramentas para a vida", diz Barrett. Elas podem até nos inspirar
para novas experiências, ou apreciar experiências antigas sob um novo
olhar.
Esse é um caminho de pesquisa que Lomas gostaria de
explorar no futuro. Enquanto isso, ele continua a ampliar seu dicionário
- que já tem quase mil termos.
De todas as palavras que descobriu até agora, o pesquisador diz que costuma se pegar refletindo sobre conceitos japoneses como wabi-sabi
(aquela sublimidade obscura envolvendo transitoriedade e imperfeição).
"Ele dialoga com a ideia de encontrar beleza em fenômenos imperfeitos e
velhos", afirma ele. "Ver o mundo por meio desse prisma pode ser uma
maneira diferente de se envolver na vida."
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