(Pintura feita por Indra Grasberga. iStock.)
Uma das características da depressão é ficar ruminando
ideias obsessivamente. Você sofre por coisas que aconteceram num passado
remoto ou recente, fica tentando encontrar explicações para as coisas –
uma briga não resolvida, um relacionamento que não deu certo – e se
afunda nesses pensamentos. Apesar de saber que eles lhe fazem mal, você
não consegue sair dessa situação. Quem já passou por isso sabe como pode
ser doloroso – e quem melhorou sabe como é libertador. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) diz que a depressão já é a doença mais incapacitante do mundo e atinge mais de 400 milhões de pessoas.
Mas alguns psicólogos têm sugerido uma abordagem diferente para a
depressão: e se, em vez de ser um transtorno, uma desordem, ela tiver
sua função evolutiva e for uma resposta estratégica para alcançar certos
benefícios? Em um artigo recente publicado na revista Nautilus, o escritor Matthew Hutson explicou isso.
Ali, ele diz que pesquisadores como Paul Andrews, psicólogo
evolucionista da Universidade McMaster, e J. Anderson Thomson,
psiquiatra da Universidade de Virginia, observaram que os sintomas
físicos e mentais da depressão parecem formar um sistema organizado: “Há
anedonia, que é a falta de prazer ou interesse na maioria das
atividades. Há um aumento na ruminação, a obsessão sobre a fonte da
própria dor. Há um aumento em certos tipos de capacidade analítica. E há
um aumento no sono REM, um tempo em que o cérebro consolida memórias”.
Ordem na desordem
Para eles, esses sintomas não seriam aleatórios. Afinal, como é que
uma suposta desordem pode produzir um conjunto tão organizado de
respostas? A função dessa condição seria nos afastar das atividades ordinárias da vida e nos obrigar a concentrar na compreensão ou na solução do problema
que desencadeou o episódio depressivo – como o relacionamento
fracassado, por exemplo. Estudos com depressivos confirmam isso: “Em um
estudo de 61 indivíduos deprimidos, 4 em cada 5 relataram pelo menos um
lado positivo da sua ruminação, incluindo auto-percepção, resolução de
problemas e prevenção de erros futuros”, diz o texto de Hutson.
Pensando assim, as terapias cognitivo-comportamentais podem funcionar
justamente porque aceleram processos que poderiam ocorrer naturalmente
ao longo de meses ou anos. Quem faz terapia talvez consiga compreender –
e superar – um problema em bem menos tempo e com menos sofrimento do
que faria sem ela.
A função dos antidepressivos
Mas o que dizer dos antidepressivos? Se a depressão é uma resposta
estratégica que estamos programados para ter, faz sentido combater seus
sintomas? O antropólogo Edward Hagen, da Washington State University, é
outro defensor dessa teoria. No entanto, ele reconhece que, da mesma
forma que seria antiético para um ortopedista tratar de um pé quebrado
apenas engessando-o, sem prescrever remédios para dor, é preciso tratar
os dolorosos efeitos da depressão.
Mas, assim como analgésicos sozinhos não resolvem o problema de um pé
quebrado, ele diz que antidepressivos não deveriam ser receitados sem
que se leve em conta as circunstâncias do paciente, como a morte de
alguém próximo. Apesar de os remédios terem um efeito imediato
importante, eles não podem, sozinhos, ajudar o paciente a resolver seus
problemas a longo prazo.
Ninguém está dizendo, com isso, que a depressão seria uma evolução
positiva ou útil. “Nós evoluímos para desejar consumir açúcar e gordura,
mas essa adaptação é incompatível com nosso ambiente moderno de
abundância calórica, levando a uma epidemia de obesidade. A depressão
também pode ser uma condição incompatível”, diz o artigo.
Além disso, os psiquiatras todos concordam que a doença não tem uma causa – embora geralmente tenha gatilhos
– e que alguns casos são causados por falhas genéticas ou por padrões
de pensamento negativos aprendidos durante episódios anteriores não
resolvidos. Mesmo quando há um gatilho, é muito difícil encontrá-lo em
meio a todas as nossas memórias, especialmente quando não existiu nenhum
grande trauma. Você pode até ter ideia de qual episódio tenha sido, mas
nunca vai conseguir testar isso objetivamente.
Por fim, é preciso frisar que estamos falando de teorias sem nenhuma comprovação clínica –
e, na verdade, nem se sabe se uma eventual comprovação trará alguma
mudança na forma como se trata a depressão atualmente. Ainda assim, elas
nos fazem pensar. Ter uma abordagem diferente pode ser útil a
pesquisadores, profissionais da saúde e principalmente para aqueles que
lutam contra a depressão no seu dia a dia.
Por
Ana Prado
Revista Super Interessante
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