Fascismo é uma expressão que vem sendo usada para definir formas
espetaculares de exposição de preconceitos raciais, sexuais, de gênero,
de classe e vários outros ao nível do cotidiano concreto ou virtual.
Podemos lembrar do fascismo italiano e sua imitação dos rituais de poder
da Roma antiga. Mas o fenômeno atual caracteriza-se por explosões de
ódio que causam espanto a quem olha o mundo e a sociedade em termos
democráticos.
Guardados na intimidade, preconceitos são semente de fascismos
potenciais. Mas a potência não é o ato e ninguém pode avaliar o
sentimento dos outros senão por meio de sua expressão. A prova que temos
do fascismo de qualquer um é, portanto, sua expressão verbal, gestual
ou prática.
Humilho, logo existo
O fascismo é uma espécie de teoria-prática de ação que começa com atos de fala ética e politicamente empobrecidos.
O código verbal é um dispositivo comum e simples que usamos tanto
para produzir a mais básica socialização quanto a mais complexa
metafísica. Hoje, ele mesmo se torna espetáculo. A gritaria, o
xingamento, a falta de respeito em geral não se expressam apenas em
palavras e frases, mas em notícias e formas discursivas em geral.
A grave incapacidade de relacionar-se com aquela figura da
diversidade que podemos denominar de “outro”, da qual essas formas de
linguagem são prova, põem em questão a transformação do verbal em
“capital”. Aqueles que, operando dentro de um regime de pensamento
democrático, ficam perplexos ou revoltados com isso, contrapõem-se aos
que se deixam fascinar. Se os primeiros interpretam a negação do outro
como perda ética, política e social, os segundos, deslumbrados e
fetichizados pela palavra transformada em mercadoria, descobrem o lucro
que a negação do outro pode lhes fornecer em termos subjetivos.
Participam do espetáculo verbal da gritaria sentindo-se capitalizados
subjetivamente.
Em termos simples, isso quer dizer, que há uma vantagem pessoal
impagável no ato de negar o outro e de expressar essa negação com
palavras. Essas palavras são publicitárias. Ditas na forma de slogans
fáceis de repetir, elas garantem ao fascista um lucro. Incansável no ato
de repetir frases feitas e clichês, ele parece colocar moedinhas em um
cofre. A moedinha pode ser a frase nas redes sociais. Essa busca por
lucro por meio de uma repetição se torna literalmente um modo de ser.
Incapaz de supor a existência da “alteridade”, o fascista encontra um
modo de ser. Como experiência de si podemos considerar o fascismo um
logro, mas não para quem, vivendo um profundo empobrecimento subjetivo,
não tem outra saída. A negação do outro é funcional para quem dela se
serve. Ela pode ser o único jeito de garantir que se existe. Em termos
simples: de conquistar um lugar no mundo.
O fascismo é, em qualquer sentido, uma aberração política, mas cujo
fundo existencial é a profunda miséria subjetiva de nossa época. Seu
cogito: humilho, logo existo. Ele serve como prova de si para quem vive
vazio relativamente ao pensamento, aos afetos e à própria ação. O
fascista deve pensar que “é alguém” por meio da transformação do outro
em “ninguém”.
As vantagens do fascista
A humilhação produzida esconde a humilhação vivida. Sabemos que se
aprende a humilhar sendo humilhado. Talvez mostrar no outro o que se
esconde em si mesmo possa explicar um lucro no estilo do velho “levar
vantagem”. Ora, a humilhação verbal é fácil; está disponível, sobretudo,
nas redes sociais. O discurso preconceituoso permite hoje em dia, além
de tudo, conquistar fãs, dirigir mentalidades, determinar
comportamentos.
O fascista real tem algo de um sacerdote ou de um publicitário
altamente expressivo que, em vez de pregar o amor, vende, sem vergonha, o
ódio contra o outro. E, num mecanismo de inversão, típico do seu
raciocínio fundado na chance de aniquilar o outro, ao contrário da
vergonha – que seria inevitável caso ele percebesse a si mesmo -, ele se
orgulha do que diz.
Do “orgulho hetero” ao “racismo reverso”, da “culpabilização das
vítimas” ao “fazer-se de vítima enquanto é algoz”, é sempre a mesma
lógica de ocultamento de si pela humilhação – ou afirmação negativa – do
outro o que está em cena. A própria democracia muitas vezes é alegada
em termos os mais autoritários.
Impotente para a compreensão do outro, para perguntar, para mudar de
ideia, resta-lhe tentar sentir-se sempre cheio de razão. A impotência
para o questionamento tem um nome metafórico cuja validade técnica,
infelizmente, foi banalizada. Trata-se da “burrice” como impotência não
apenas relativa ao saber sobre as coisas, mas relativa ao outro que
sempre nos serve de espelho.
Márcia Tiburi
Publicado na Carta Capital (dezembro/2015)
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