Jovem grávida, moradora de uma área pobre de Recife. NACHO DOCE (REUTERS)
A possível ligação entre o zika vírus e a microcefalia obrigou o Brasil a encarar seus tabus
Uma doença nunca é só uma doença. Ela nos conta de desigualdades e
falências, e também de paixões. O zika vírus, desde que foi associado à
microcefalia, tem revolvido as profundezas do pântano em que a sociedade
brasileira esconde seus preconceitos e totalitarismos, muitas vezes
trazendo-os à superfície cobertos por uma máscara de virtude. É dessa
matéria fervente o debate sobre a permissão do aborto em casos de
microcefalia. Diante da crise sanitária revelada pelo Aedes brasilis,
como o mosquito vetor já foi chamado de forma tão oportuna, o futuro
próximo depende de que sejamos capazes de pensar, mesmo que isso
signifique chamuscar as mãos. Pensar e conversar, o que implica vestir a
pele do outro antes de sair repetindo os velhos clichês usados como
escudos contra mudanças. Se não formos capazes de superar o
comportamento de torcida de futebol nem mesmo diante de uma epidemia
considerada “emergência global”, o mosquito é o menor dos nossos
problemas.
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No Brasil, o aborto só é permitido em caso de gravidez resultante de
estupro, risco de morte da gestante e anencefalia do feto. Neste último
caso, a liberação foi permitida pelo Supremo Tribunal Federal em 2012,
por se tratar de uma condição incompatível com a vida. Prevaleceu a tese
de que não haveria ali uma vida a ser protegida e, portanto, obrigar
uma mulher a levar uma gestação em que ao final haveria um caixão e não
um berço era afrontar a sua dignidade e submetê-la à tortura. Aquelas
mulheres que encontrassem sentido em completar uma gravidez de feto
anencefálico seguiriam, obviamente, com seus direitos garantidos.
Este é um ponto importante: o respeito ao direito de escolha de cada
mulher, a partir de suas condições concretas e subjetivas, da teia de
sentidos construída por cada uma para se mover pelo mundo. Quando o
aborto é permitido, em nenhum momento essa liberação tira de qualquer
mulher o direito de não fazê-lo. O que acontece é a ampliação de
direitos – e não o estreitamento. Quem entende que fazer um aborto é o
mais coerente para a sua vida faz. Quem entende que não – não faz.
Preciso informar ao leitor que participei ativamente do debate do aborto
de feto anencefálico. Como repórter, na cobertura do tema, e num
documentário chamado Uma História Severina, no qual é narrada a luta por
autorização judicial travada por uma mulher nordestina, pobre e
analfabeta, para interromper a gestação de um feto anencefálico.
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Fonte El País
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