“O texto abaixo é
parte dos Fragmentos 1 e 2 do longo poema ‘A implosão da mentira’, de
Affonso Romano de Sant’Anna, que emprega criativamente a barra oblíqua,
separando o sufixoide {-mente} da palavra base, transformando-o ao mesmo
tempo no verbo (mentir) e no substantivo de mesma forma, mantendo seu
sentido de sufixoide, típico de advérbios de modo:
Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
Mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.
..................................................
E assim cada qual
mente industrial/mente,
mente partidária/mente,
mente incivil/mente,
mente tropical/mente,
mente incontinente/mente,
mente hereditária/mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
— diaria/mente.
“Repare-se que a
série de ocorrências de ‘mente’, verbo, se repete, como o sufixoide
‘mente’. Assim, adjetivo + sufixoide separados pela barra oblíqua e o
verbo permitem leituras múltiplas, mostrando que a barra oblíqua tem
também uma função poética.”
(Pequeno manual de pontuação em português: com exercícios resolvidos, José Augusto Carvalho, Brasília: Thesaurus, 2. ed., 2013, pp. 79-84.)
*Enviado pelo amigo Adauto Neto
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