Ninguém seria capaz de negar a importância dos livros e da leitura na
vida de cada pessoa. Isso implicaria negar a importância da educação.
Ao mesmo tempo, poucos realmente se preocupam com o evidente
desaparecimento dos livros na vida cotidiana. Poucos realmente se
preocupam com o declínio da educação.
A diminuição da leitura é realmente preocupante quando sabemos que os
livros são dispositivos fundamentais na formação das pessoas. O descaso
com a educação tornou-se violência simples que qualquer um pratica.
Em nossa época a leitura diminui vertiginosamente (pelo menos é o que
percebo como professora e escritora) enquanto, ao mesmo tempo, cresce o
elogio da ignorância, nossa velha conhecida.
Nesse contexto, não bastasse o descaso com a leitura, vemos o descaso
com a educação assumir uma forma aviltante. Em um gesto de violência
evidente, o governador do estado de São Paulo fecha escolas.
Em seu gesto, em cuja base está a ignorância, o governador promove a
ignorância à política. O círculo vicioso entre falta de educação e fim
da política – e sua consequente substituição por violência – está atado.
Pergunta que somos obrigados a nos colocar: para que substituir a educação por violência?
É evidente que a ignorância é uma excelente arma usada na política
atual. Uma arma para acabar de vez com qualquer chance que o povo, que
qualquer cidadão, teria de melhorar as condições de sua vida, o que só
seria possível por meio da educação.
Sabemos que a educação é a própria política, que é ético-política.
Pergunta que também devemos nos colocar: se não temos educação, que
espécie de “política” ainda podemos ter?
De fato, podemos dizer que a ignorância é natural, cada um de nós tem
a sua e, filosoficamente falando, a ignorância é a mãe do conhecimento.
Mas a ignorância só é boa como é boa a infância da criança que vai
crescer, que não vai permanecer para sempre criança. A ignorância é uma
passagem, uma experiência, não um estado para sempre desejável. Ora, se
não cuidarmos de nossa ignorância que parece uma espécie de estado de
graça infantil, ela se desenvolve de um jeito muito ruim, como uma
espécie de deformação por estagnação.
No limite, a ignorância mal cuidada torna-se discurso e prática de
vida. A educação é o cuidado da ignorância para que ela se transforme em
conhecimento.
Personalidades bisonhas, cuja ignorância não foi cuidada, passam a
dar as regras da vida cotidiana, no âmbito da família, do trabalho, da
vida em geral. Isso explica por que, na política atual, tantas pessoas
com pensamentos e práticas bizarras fazem tanto sucesso. Essas pessoas
produzem formulações bizarras como “estatuto da família” e, no limite,
fecham escolas.
O mesmo vale para os meios de comunicação que amparam todas essas
medidas antipolíticas, destrutivas da cidadania. É que o poder na sua
forma violenta, se alimenta da ignorância e o ignorante se regozija
quando não encontra nada que o negue. E porque não cuidamos da
ignorância, ela domina a sociedade. Ela é transmitida, ela é
“propagandeada”.
Curioso também que, em tempos de desvalorização da leitura e da
educação, nessa época em que só o elogio da ignorância tem lugar e
comanda o modo de ser das pessoas, os cidadãos estejam politicamente tão
infantilizados. Refiro-me aos delírios em torno do ilegal “impeachment”
da presidente do Brasil, nos pedidos de volta da ditadura, no ódio às
minorias. Haveria um nexo entre a ignorância como questão cognitiva e a
ignorância como questão política?
A ignorância filosófica nos faz perguntar. A ignorância usada como
bomba atômica contra populações inteiras na política de extermínio do
conhecimento e da ação política que dele derivaria não nos deixa
responder.
Nesta semana em que se comemora o dia das crianças e o dia dos
professores, podemos nos perguntar pelo futuro. Futuro? As crianças e os
jovens, aos quais uma sociedade democrática deve educação, pisam no
campo minado da violência. Sem educação aprendem com ela. Escolas
faltam, presídios abundam. Fecham-se escolas, criam-se presídios. A
fórmula é nossa velha conhecida e precisa ser ocultada.
A violência atualmente semeada serve milimetricamente ao poder dos dominantes.
O povo só poderá promover uma revolução contra a guerra sob a qual
está sendo humilhado, aviltado e morto se despertar para esse estado de
coisas.
A ignorância é a costura nos olhos com o fio de aço do poder que impede esse despertar.
Márcia Tiburi
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