sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ariano e Tolkien

A obra de Ariano Suassuna passa por muitos territórios, que vão da música ao teatro, mas os que me interessam mais são o romance, a poesia e a ilustração gráfica. (Sem diminuir, claro, a importância dos demais.) Nesses três campos ele desenvolveu a vertente fantástica de sua criação: a articulação de um universo emblemático, simbolista, repleto de ressonâncias cósmicas, profundamente impregnado de um passado simultaneamente histórico e mitológico, carregado de implicações éticas e morais.
 
Como escritor, Ariano pertence a uma linhagem que também inclui J. R. R. Tolkien (de O Senhor dos Anéis), e há mais semelhanças entre eles do que parece à primeira vista. Há paralelos na vida pessoal: a perda precoce do pai e a importância da figura materna, e o fato de que ambos se dedicaram desde cedo à carreira de professor universitário, praticando a literatura nas horas vagas, por assim dizer.
 
A semelhança, no entanto, é mais literária do que biográfica. São escritores que têm uma profunda identificação com a tradição e o passado, e uma certa aversão a modismos e modernismos de superfície. Ambos católicos, criaram ciclos romanescos onde o Catolicismo está ausente como fato e presente como espírito, através de temas de pecado e redenção, e da luta do Bem contra o Mal. Ambos recorrem a fontes lendárias de um passado remoto – escandinavo no caso de Tolkien, ibérico no de Ariano. Ambos têm uma identificação instintiva com a simbologia da realeza e das ordens cavalarianas, com os emblemas e brasões, com a genealogia das famílias nobres, com a heráldica. E em ambos esse painel de heróis tem sua grandiosidade e nobreza contrastadas à presença de protagonistas humanos, frágeis, mas igualmente notáveis: os pequenos hobbits de Tolkien, e, em Ariano, a figura picaresca, plebéia e moralmente escorregadia de Quaderna.
 
Do ponto de vista técnico, ambos produziram trilogias épicas (a de Ariano ainda em progresso) recheadas de poemas bem integrados à trama. Ambos revelam um fascínio pelo grafismo, e produziram numerosas ilustrações para os próprios textos. Tolkien, filólogo, criou um idioma élfico com alfabeto próprio. Ariano produziu também um alfabeto armorial, inspirado nos desenhos dos ferros de marcar gado. Seus admiradores recorrem constantemente a esses alfabetos nas obras relativas ao universo de cada um.
 
O mundo de Tolkien é totalmente fictício; o de Ariano, em comparação, é de um realismo histórico-geográfico quase excessivo. O que aproxima os dois é o avistamento de um Passado grandioso, semi-histórico, semi-lendário, que se superpõe ao Real na obra de Tolkien, e na obra de Ariano é um pólo energizador do Presente.
 
 
Bráulio Tavares (blogue Mundo Fantasm0)

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