Desde a descoberta do primeiro planeta a orbitar uma estrela similar ao Sol,
em 1995, a humanidade estava à espera deste anúncio. Finalmente ele chegou, com
toda pompa e circunstância, num artigo publicado no periódico científico
“Science”: encontramos um planeta praticamente idêntico à Terra orbitando outra
estrela numa região que o torna capaz de abrigar água líquida — e vida — em sua
superfície.
O anúncio foi feito na tarde de hoje numa entrevista coletiva conduzida pela
Nasa (uma reportagem mais completa sobre o achado, produzida por este
escriba, está nas páginas da Folha). O planeta orbita uma
estrela chamada Kepler-186 e tem, segundo as estimativas, praticamente o mesmo
diâmetro da Terra — 1,1 vez o do nosso mundo. Até onde se sabe, ele é o quinto a
contar de seu sol e leva 129,9 dias terrestres para completar uma volta em torno
de sua estrela. Ou seja, um ano lá dura mais ou menos um terço do que dura o
nosso.
A estrela-mãe desse planeta é uma anã vermelha com cerca de metade do
diâmetro do nosso Sol, localizada a cerca de 490 anos-luz daqui. Um dos aspectos
interessantes dessa descoberta em particular é que, além de estar na chamada
zona habitável — região do sistema em que o planeta recebe a quantidade certa de
radiação de sua estrela para manter uma temperatura adequada à existência de
água líquida na superfície –, o planeta está suficientemente distante dela para
não sofrer uma trava gravitacional. Caso fosse esse o caso, o Kepler-186f, como
foi batizado, teria sempre a mesma face voltada para a estrela, como acontece,
por exemplo, com a Lua, que sempre mostra o mesmo lado para a Terra. Embora
modelos mostrem que a trava gravitacional não é um impeditivo definitivo para
ambientes habitáveis (a atmosfera trataria de distribuir o calor), é sempre
melhor ter um planeta com dias e noites, em vez de um em que um hemisfério é
sempre aquecido pelo Sol e outro passa o tempo todo na fria escuridão.
Numa nota pessoal, lembro-me de ter já conversado antes com Elisa Quintana, pesquisadora da Nasa que é
a primeira autora da descoberta. Em 2002, ela produziu uma série de
simulações que mostravam que o sistema Alfa Centauri — o trio de estrelas mais
próximos de nós, sem contar o Sol — podia abrigar planetas de tipo terrestre na
zona habitável. Imagino a realização pessoal dela de, depois de “conceber” por
tantos anos mundos como esse em computador, finalmente poder reportar uma
descoberta dessa magnitude. Não de uma simulação, mas da fria realidade da
observação!
Trata-se de um momento histórico. A partir de agora, os astrônomos devem se
concentrar cada vez mais na busca de outros mundos similares à Terra e a
Kepler-186f, gerando alvos para futuras observações de caraterização — a efetiva
análise da composição desses mundos e suas atmosferas –, em busca, quem sabe, de
evidências de uma outra biosfera.
Nosso planeta está prestes a ganhar muitas companhias.
Por Salvador Nogueira
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