Neném Pelado ajeita a cabeleira negra. Cabelo pintado, "que o homem tem de prezar a aparência". E ri sacudindo o queixo, o maxilar toureando a dentadura dentro da boca. Nasceu Silício, o nome que o pai alfaiate ouviu num programa de rádio e achou lindo. Mas Silício - para desgosto do pai - ninguém guardava. O molequinho, que andava nu por entre as tiras de gabardine e tafetá espalhadas no chão da oficina, virou, então, Neném Pelado.
A ninguém mais causam estranheza a longevidade e a incongruência do apelido aplicado ao homem de setenta anos. É assim que os vizinhos o chamam e é assim que é conhecido em Jessiape, cidadezinha baiana às margens do rio Contas, no sopé da Chapada Diamantina.
Neném Pelado me recebe na porta, muito bem-composto, com sandálias, bermuda de tergal e uma camiseta do São Paulo Futebol Clube. Não por ser torcedor, mas porque gosta de vestir branco.
Com o dedo, aponta para a placa pregada no coqueiro do quintal: Jardim do Éden. O paraíso idílico de chão batido tem escassos atrativos. Um toldo de lona protege um colchão puído do rigor do adobe, inacabado e tosco, Neném Pelado mantém inabitado.
- Só sou digno de morar ali quando encontrar o que procuro - diz, entrando comigo no casebre para explicar melhor.
Banheiro, sala, cozinha, todos os cômodos órfãos de vida e mobília, peças vazias, empoeiradas. Todos, menos um. No único quarto, há uma cama branca coberta com uma colcha de cetim cor-de-rosa e adornada por almofadas em forma de coração. Na parede, gravuras com paisagens alpinas. Sobre o criado-mudo, um pequeno abajur florido.
- É para o meu amor - esclarece, voltando para o exílio autoimposto de um Éden sem Eva.
Deita-se no colchão e, debaixo do toldo, mostra a carta que escreveu para a rádio da cidade: "Senhor distinto procura coração solitário...".
Oh, damas da Bahia, ouvi o apelo do romântico cavalheiro de Jussiape, salvai a humanidade inteira, fazei soar nas ondas do rádio o golpe fatal a extirpar a solidão do vale do rio Contas, pois, sobre a cama, há uma colcha de cetim para acomodar todo o amor do mundo.
Marcelo Canellas, in Províncias. Crônicas da alma interiorana, pag. 49
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