No mais recente livro de poemas de Domício Proença Filho,
"O risco do jogo" (editora Prumo), há um poema em particular _
colocado logo na abertura _ que sintetiza sua estratégia poética. Não a
estratégia do conforto, mas a do risco. Não a do conhecido, mas a do
desconhecido. Estratégia de acesso, enfim, àquele lugar por excelência da
poesia, ali onde o poeta treme, vacila, inquieta-se _ mas só por isso escreve.
Refiro-me a "À guisa de poética", poemaem
que Domício não só se apresenta, mas apresenta, com clareza e
destemor, os riscos que está disposto a correr. A poesia (a literatura) sempre
inclui risco. Escrever é escolher riscos a correr _ e outros a descartar. É
decidir que abismos se deseja atravessar, que desertos se pretende percorrer. E Domício assume isso logo. Delimita seu caminho.l Fixa uma direção _ ainda que
seja para depois abandoná-la, ou mesmo traí-la.
"Não aprendi lições de pedra,/ de deserto, ou a essência/ do verbo,/ esses mistérios", ele descarta logo no início, deixando claro que trabalha, muito, não a partir de um saber, mas da própria ignorância _ que é, quase sempre, o tesouro mais secreto do poeta. Mais à frente, delimita ainda com mais clareza seu território pessoal: "Ao leito, por outro lado,/ estreito da redondilha/ prefiro o cerne da ilha/ e a realidade concreta/ e carnal". Perfila-se, assim, entre aqueles poetas que não só levam em conta a vida e a experiência, mas que as colocam no centro de suas atenções. Aqueles que optam por uma poesia que pulsa.
Conclui mais à frente Domínio, depois de enumerar outras posições possíveis para um poeta, que descarta com igual determinação: "No meio desse fogo/ cruzado/ recruzado/ arisco/ diante do muro/ e do ligro/ assumo apenas o risco/ do jogo". Apresenta-se, assim, como um poeta desarmado _ sem o apego desesperado a tradições; sem a fidelidade cega a alguma seita; sem o desejo insano de acertar. Um poeta para quem a poesia é pura incerteza, puro trato do acaso e de seus incidentes, e não a consagração dessa ou daquela verdade anterior. Uma poesia para além do cânone e da consagração. Para além do "correto" e do justo.
São princípios lúcidos para uma poética, na medida em que liberam o poeta de compromissos que estão muito além da própria escrita singular. Porque a poesia é isso: cada um que corra seu próprio risco, ou nada se faz. Ao fim, o poeta sai, por certo, com suas feridas, mas elas, em vez de deprimi-lo, compõem uma espécie de assinatura carnal da aventura de escrever. O poeta não é perfeito _ mas, se é perfeito, não é poeta. O poeta não se interessa pela segurança _ mas, se é seguro, dedica-se apenas à escrita burocrática, atestado, testamento, certeza definitiva, poesia não será.
Por isso é tão estimulante que Domício apresente, à guisa de uma poética, essa opção pelo perigo. Não teme o insucesso _ ele faz parte da poesia, que é sempre a navegação em torno de um fracasso, ou pelo menos de um risco a correr. Não evita a incerteza _ ao contrário, dela tira forças para o acesso às palavras. É em risco, e para correr riscos, que alguém se faz poeta, ou será melhor fazer outra coisa. O perigo não só está no coração do poeta, é o próprio coração do poeta. É aquilo que o identifica. É aquilo que o conduz à palavra.
Refiro-me a "À guisa de poética", poema
"Não aprendi lições de pedra,/ de deserto, ou a essência/ do verbo,/ esses mistérios", ele descarta logo no início, deixando claro que trabalha, muito, não a partir de um saber, mas da própria ignorância _ que é, quase sempre, o tesouro mais secreto do poeta. Mais à frente, delimita ainda com mais clareza seu território pessoal: "Ao leito, por outro lado,/ estreito da redondilha/ prefiro o cerne da ilha/ e a realidade concreta/ e carnal". Perfila-se, assim, entre aqueles poetas que não só levam em conta a vida e a experiência, mas que as colocam no centro de suas atenções. Aqueles que optam por uma poesia que pulsa.
Conclui mais à frente Domínio, depois de enumerar outras posições possíveis para um poeta, que descarta com igual determinação: "No meio desse fogo/ cruzado/ recruzado/ arisco/ diante do muro/ e do ligro/ assumo apenas o risco/ do jogo". Apresenta-se, assim, como um poeta desarmado _ sem o apego desesperado a tradições; sem a fidelidade cega a alguma seita; sem o desejo insano de acertar. Um poeta para quem a poesia é pura incerteza, puro trato do acaso e de seus incidentes, e não a consagração dessa ou daquela verdade anterior. Uma poesia para além do cânone e da consagração. Para além do "correto" e do justo.
São princípios lúcidos para uma poética, na medida em que liberam o poeta de compromissos que estão muito além da própria escrita singular. Porque a poesia é isso: cada um que corra seu próprio risco, ou nada se faz. Ao fim, o poeta sai, por certo, com suas feridas, mas elas, em vez de deprimi-lo, compõem uma espécie de assinatura carnal da aventura de escrever. O poeta não é perfeito _ mas, se é perfeito, não é poeta. O poeta não se interessa pela segurança _ mas, se é seguro, dedica-se apenas à escrita burocrática, atestado, testamento, certeza definitiva, poesia não será.
Por isso é tão estimulante que Domício apresente, à guisa de uma poética, essa opção pelo perigo. Não teme o insucesso _ ele faz parte da poesia, que é sempre a navegação em torno de um fracasso, ou pelo menos de um risco a correr. Não evita a incerteza _ ao contrário, dela tira forças para o acesso às palavras. É em risco, e para correr riscos, que alguém se faz poeta, ou será melhor fazer outra coisa. O perigo não só está no coração do poeta, é o próprio coração do poeta. É aquilo que o identifica. É aquilo que o conduz à palavra.
José Castello
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