domingo, 24 de fevereiro de 2013

Nem o papa aguentou

No dia da renúncia do papa, uma amiga minha querida, portadora de uma personalidade difícil (acha quase todo mundo bobo), mandou-me uma mensagem assim: "Nem o papa aguentou!".
 
Afinal, o que ele não teria aguentado? Peço licença à minha amiga nojenta para tomar sua exclamação e fazer um pouco de filosofia selvagem a partir dela.
 
Antes, esclareço que não sofro do comum preconceito de pessoas inteligentinhas contra a Igreja Católica. Qual é esse preconceito? Hoje em dia, num mundo em que todo o mundo diz que não tem preconceito, o único preconceito aceito pelos inteligentinhos é contra a igreja: opressora, machista, medieval...
 
Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta.
 
Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um "mundo mau" pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes.
 
Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.
 
Dizer que a igreja padece de males humanos e que compartilhou de violência de todos os tipos é óbvio demais para valer a pena um minuto de reflexão.
 
Em jargão teológico, essa "dupla personalidade de bem x mal" não é bipolaridade moral, mas uma dupla identidade: a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus).
 
Portanto, não sou um desses ateuzinhos que, no fundo, não passam de "teenager" bravo porque o pai não existe. Parafraseando o grande Beckett, "God does not exist --that bastard!" (Deus não existe --aquele bastardo!).
 
Joseph Ratzinger (Bento 16) é um homem inteligente que quis levantar o nível do debate dentro da igreja e na sociedade como um todo. Um filósofo. Resistiu bravamente à contaminação por uma teologia populista e marqueteira, mas sucumbiu à ancestral vocação humana para a mentira e para a vida burocrática.
 
Hoje, quase tudo no mundo é populista e marqueteiro; lembremos da máxima da grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís: hoje todo mundo quer agradar, até o metafísico.
Foi isso que o papa não aguentou: ele esbarrou no diagnóstico da contemporaneidade feito pela Agustina Bessa-Luís. Todo o mundo só quer agradar "seu eleitorado" e Bento 16 quis tratar seu eleitorado como gente grande.
 
Resultado: angariou inimigos em toda parte porque rompeu o jogo comum de "falar muito e dizer nada", típico da sensibilidade democrática em que vivemos e também da igreja na "sua base popular".
 
Num mundo de sensibilidade democrática, ninguém quer saber de nada a sério. A "afetação infantil" (Bessa-Luís, de novo) nos define. O "povo é sempre lindo e certo!".
 
Na democracia, a soberania do governo emana do povo; daí que achar que o "povo é sempre lindo" é um efeito colateral deste modo da soberania. Logo, todo o mundo só quer agradar, e Bento 16 não quis agradar, quis falar a sério.
 
Sucumbiu às intrigas palacianas, à inércia da estupidez do mundo de ruídos e baladas metafísicas.
 
As pessoas odeiam quem quer falar a sério. Não querem mais um papa, e sim um consultor de sucesso espiritual e Ratzinger não tem vocação para isso.
 
A maioria das pessoas quer apenas comprar, divertir-se, ter uma autoestima alta, gozar livremente, não sentir culpa alguma; enfim, ter uma vida moral de criança de dez anos de idade.
 
Luiz Felipe PondéNem o papa aguentou. Preferiu "fracassar como Sócrates" a vencer como um demagogo feliz. No início da quaresma (período em que devemos refletir sobre nossos demônios), denunciou com sua renúncia o mais velho demônio da igreja: a política.
 
 
 
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa).



(www.folha.com.br/opinião/colunistas/luizfelipepondé/18-02-2013)
18/02/2013 - 03h03

Um comentário:

Jairo Alves disse...

Concordo em parte com o filósofo Luiz Felipe, que a poucos dias tem dado suas opiniões sobre a Igreja Católica. Sobre a renucia de Bento xvl. Concordo no que desrepeita a liberdade, a vastidão da sociedade, principalmente a juventude. O mundo capitalista a tendência é o dinheiro em vez de valorizar a vida e a Deus. Ele está correto. Agora dizer que o Papa renuciou o papado pelo um ato de coragem, acho que não foi e esta longe de ser. Pois se o senhor Luiz, como ate disse a coragem do papa diante as correntes políticas infiltrarem a religião católica nos últimos anos,(ou melhor, toda sua esistência) ele ter sido corajoso, mas, o fato é que lhe doeu mais foi de ler o dossiê apresentado pelos cardeais do Vaticano. Tantos escândalo, tantos casos bizarros da igreja que o fez sim tomar esta decisão, que imagina ele, esta de um jeito ou de outro peneirando as tolerancias e as injustiças de acontecerem da forma como acontecem. Mas ora, há muitos escnadalos na igreja e não é de hoje.Todos religiosos cristãos, católicos hoje sabem disso. Não estou sendo contra a Igreja.
Estou relatando fatos ocorridos, escandalos sexuais, imoralidades dos religiosos que estão nas páginas sociais. Se istas "causas" são poucas para interpretar a Igreja e ver seu papél, pergunto, e o Santo Ofício da Inquisição onde quem desobecesse as "normas crueis" da Igreja naquele tempo seria queimado vivo numa fogueira? E a venda de Indulgências nas primeiras décadas de sua criação? Isso é pregar a Bíblia como está escrito? Se o seu cristão catolico pecasse, este daria um boi como preço do seu ato e sua alma estava salva? Isso está escrito na Bíblia? São dos planos de Deus? Nunca isto foi escrito pela Bíblia. Ao contrario, ela os condena.
A igreja católica esta desmoralizada e a cada dia, perdendo seu "poderio sujo debaixo do tapete santo" Sou doutrina é totalmente adversa as palavras da Bíblia. Isto todo mundo ver e sabe. Só quem não ver são os fanáticos cristãos que não interpretam como esta escrito e leva as injustiças "divinas" na crença e na tradição. A Bíblia condena a ambas!Essa é a minha opinião.