Em 1928 Graciliano Ramos assume o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, para
o qual fora eleito em 1927. O primeiro relatório que envia ao governador Álvaro
Paes, publicado na Imprensa Oficial de Alagoas, causa espécie pelo espírito e
revela um magnífico escritor. Trago aqui o segundo, sobre o ano de 1929, que
correu as redações do país. Leiam e depois digam: se todos os municípios
brasileiros tivessem um prefeito assim – não digo com o mesmo talento do
escritor, seria pedir muito a Deus, mas com o mesmo caráter do homem – que
Brasil vocês acham que teríamos?
Relatório da Prefeitura Municipal de Palmeira dos
Índios
Sr. Governador.
Esta exposição é talvez desnecessária. O balanço que remeto a V. Ex.a mostra
bem de que modo foi gasto em 1929 o dinheiro da Prefeitura Municipal de Palmeira
do Índios. E nas contas regularmente publicadas há pormenores abundantes,
minudência que excitaram o espanto benévolo da imprensa.
Isto é, pois, uma reprodução de fatos que já narrei, com algarismo e prova de
guarda-livros, em numerosos balancetes e nas relações que os acompanharam.
Receita – 96:924$985
No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em
1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985.
E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores
largamente concedidos a pessoa que não precisavam deles e pus termo à extorsões
que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados,
esbrugados pelos exatores.
Não me resolveria, é claro, a pôr em prática no segundo ano de administração
a eqüidade que torna o imposto suportável. Adotei-a logo no começo.
A receita em 1928 cresceu bastante. E se não chegou à soma agora alcançada, é
que me foram indispensáveis alguns meses para corrigir irregularidades muito
sérias, prejudiciais à arrecadação.
Despesa – 105:465$613
Utilizei parte das sobras existentes no primeiro balanço.
Administração – 22:667$748
Figuram 7:034$558 despendidos com a cobrança das rendas, 3:518$000 com a
fiscalização e 2:400$000 pagos a um funcionário aposentado. Tenho seis
cobradores, dois fiscais e um secretário. Todos são mal remunerados.
Gratificações – 1:560$000
Estão reduzidas.
Cemitério – 243$000
Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será
insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me
permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável.
Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamavam.
Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamavam.
Iluminação – 7:800$000
A Prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o
fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que
assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.
Higiene – 8:454$190
O estado sanitário é bom. O posto de higiene, instalado em 1928, presta
serviços consideráveis à população. Cães, porcos e outros bichos incômodos não
tornaram a aparecer nas ruas. A cidade está limpa.
Instrução – 2:886$180
Instituíram-se escolas em três aldeias. Serra da Mandioca, Anum e
Canafístula. O Conselho mandou subvencionar uma sociedade aqui fundada por
operários, sociedade que se dedica à educação de adultos.
Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As
aspirantes a professoras revelaram, com admirável unanimidade, uma lastimosa
ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar
regularmente, como as outras.
Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a
habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar
sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros.
Uma Dívida Antiga – 5:210$000
Entregaram-me, quando entrei em exercício, 105$858 para saldar várias contas,
entre elas uma de 5:210$000, relativa a mais de um semestre que deixaram de
pagar à empresa fornecedora de luz.
Viação e Obras Públicas – 56:644$495
Os gastos com viação e obras públicas foram excessivos. Lamento, entretanto,
não me haver sido possível gastar mais. Infelizmente a nossa pobreza é
grande.
E ainda que elevemos a receita ao dobro da importância que ela ordinariamente
alcançava, e economizemos com avareza, muito nos falta realizar. Está visto que
me não preocupei com todas as obras exigidas. Escolhi as mais urgentes.
Fiz reparos nas propriedades do Município, remendei as ruas e cuidei
especialmente de viação.
Possuímos uma teia de aranha de veredas muito pitorescas, que se torcem em
curvas caprichosas, sobem montes e descem vales de maneira incrível.
O caminho que vai a Quebrangulo, por exemplo, original produto de engenharia
tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e
lagartixa.
Sempre me pareceu lamentável desperdício consertar semelhante porcaria.
Sempre me pareceu lamentável desperdício consertar semelhante porcaria.
Este é o ano do centenário do falecimento de Graciliano
Ramos que nasceu em 27 de outubro de 1892, em Quebrangulo,
Alagoas, e faleceu no Rio de Janeiro em 20 de março de 1953. Listo aqui os
títulos de algumas de suas obras e creio não ser necessário dizer mais nada:
Vidas Secas, São Bernardo, Memórias do Cárcere, Angústia, Insônia, Histórias
Incompletas, Infância...
*Do Blog do Noblat
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