Fazia tempo que não via uma mulher comer com tanto gosto e determinação.
Todas as fomes, fome de tudo, fome de viver.
Foi agora em Curitiba, no Gato Preto, em um jantar dançante neste lugar
ímpar, o melhor da madruga na cidade dos vampiros literários.
A moça devorava uma costela, especialidade da casa, em um cenário que reúne
profissionais da noite e amadoras. Ambiente incrível com direito a uma dupla
–tecladinho e voz- de músicas românticas e gauchescas.
Como comia gostoso aquela dama. Lambia os beiços às duas da madrugada. K.,
minha musa existencialista, que o diga. Voltávamos do Wonka, onde apresentei com
o Fausto Fawcett mais uma edição do projeto “Trovadores do Miocárdio”.
Aquela comilança da curitibana me faz retornar ao tema do medo das mulheres
diante da balança.
Você, amigo, sai com a pequena, e ela só belisca, qual um passarinho, uns
saudáveis farelos ou engole umas folhinhas sem graça.
Que desgosto.
Você caprichou na escolha do restaurante, acordou com água na boca por um
prato que só você sabe onde encontrá-lo, quer fazer uma presença, fazer bonito
com a cria da sua costela.
Que desgosto, a gazela mira o ambiente com “nojinho”, de tão fresca. Uma
estraga-prazeres, eclipse de um belo sabadão ensolarado.
Ah, nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto, paladar nas
alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida com sustança.
Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes, sonhos, o céu
da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma, sábado à tarde, nossa
doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do possível.
Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura. Como
ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais com gosto,
talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um banquete nada
platônico.
Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão um trabalho
desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha pálida de alface. E
haja saladinha sem gosto, e dá-lhe rúcula!
A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada
degustando, quase de forma desesperada, um cozido, uma moqueca, uma feijoada
completa, uma galinha à cabidela, massa, um chambaril, um sarapatel, um cuscuz
marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um bife à milanesa, um tutu na
decência, mocotó, um baião de dois, uma costela no bafo, abafa o caso!
Foi embora aquela felicidade demonstrada por Clark Gable no filme ”Os
Desajustados”, quando ele observa, morto de feliz, Marilyn Monroe devorando um
prato de operário. E elogia a atitude da moça, loa bem merecida.
Além do prazer de vê-las comendo, pesquisas recentes mostram que as mulheres
com taxas baixíssimas de colesterol costumam ser mais nervosas, dão mais
trabalho em casa ou na rua, barraco à vista, intermináveis discussões de
relação…
Nada mais oportuno para convencê-las a voltar a comer, reiniciá-las nesse
crime perfeito.
Moças de todas as geografias afetivas e gastronômicas, aos acarajés, às
fogazzas, aos pastéis, aos cabritos assados e cozidos, ao sanduíche de
mortadela, à dobradinha à moda do Porto, ao lombo -de lamber os lábios!-, ao
churrasco de domingo para orgulho do cunhado que capricha na carne e sabe a arte
de gelar uma cerva. E aquela fava, meu Deus, com charque, enquanto derrete a
manteiga de garrafa, último tango do agreste.
O importante é reabrir o apetite das moças, pois, repito, senhoras e
senhores, o velhíssimo mantra: homem que é homem não sabe sequer -nem procura
saber- a diferença entre estria e celulite.
Xico Sá
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