A França é um país de escritores e leitores, não somente por causa de sua
riquíssima literatura, mas porque quem vive neste país é constantemente
estimulado (maneira sutil de dizer “obrigado”) a escrever.
Quem procura um emprego deve escrever uma carta de motivação de pelo menos
três parágrafos; os candidatos às eleições devem escrever o que chamam de
“profissão de fé”; uma declaração pública de seus compromissos; que
posteriormente será lida pelos eleitores; quem procura um apartamento deve
escrever uma justificativa; e quem quer um visto deve escrever uma carta de
compromisso.
Eu ousaria dizer que a França é um país onde impera a “razão gráfica”,
citando descaradamente Jack Goody, grande antropólogo inglês que observou as
consequências da escritura nos modos de pensamento.
Não se assustem, não tenho a intenção de fazer um estudo antropológico da
sociedade francesa e tenho consciência que meus conhecimentos em antropologia
são bastante limitados, mas minha experiência empírica e minha ousadia – mais a
segunda que a primeira – indicam que existe uma lógica diferente no
funcionamento da sociedade francesa e eu acredito que isso tem suas origens na
tradição escrita.
Observo exemplos disso cotidianamente, quando me explicam um endereço
mostrando em um mapa e não citando pontos de referência como o posto de gasolina
ou a padaria da esquina; quando me dizem que é melhor explicar algo por e-mail
que por telefone; ou quando uma matéria em uma revista para o grande público tem
citações bibliográficas. Entender isso foi vital para minha adaptação na
França.
Ainda segundo Goody, a palavra escrita permite o distanciamento crítico, ela
pode ser discutida e comentada. Eu acho que vem daí a impressionante capacidade
de reflexão dos franceses e a habilidade de integrar o pensamento crítico à vida
cotidiana. Seja em discursos, teses, conversas na mesa do bar ou nas páginas dos
jornais.
Na imprensa esta complexidade é marcada não somente na escolha das palavras
mas também do ponto de vista. Questões banais ganham sempre um enquadramento
reflexivo.
Tudo isso constrói a complexidade desta sociedade, que me convida e me
provoca sempre a pensar, a refletir e me “obriga”, sem querer, a escrever novos
textos.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco
anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na
Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as
quintas-feiras.
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