“Estamos preparados para administrar a educação de nossos
filhos. Mas é difícil para nós acompanhar a velhice e a deterioração
daqueles que nos deram a vida: razões, testemunhos e conselhos.”
“Meu pai tem 92 anos. Todas as semanas espera o domingo ao meio-dia,
dia da família se reunir. Espera ansioso pelo “dia da história”. Nós
dois amamos o mundo da fantasia, do cinema e dos livros. Ele me ensinou a
navegar no universo de princesas, piratas, dragões. Porém meu herói
mais fantástico foi sempre ele. Hoje já não caminha, mas de sua cadeira
espera como uma criança que alguma história o surpreenda. Cinquenta anos
depois, quem inventa as histórias sou eu. No começo, eu ficava triste
por isso. Mas agora eu desfruto desses momentos e devolvo para ele algo
que me disse desde pequena. Uma história é fechada, bonita e triste ao
mesmo tempo. Como a vida, não é?”
Essas são história que ouvi e me atingiram muito, também me comoveram e me fizeram questionar.
Os braços fortes que nos embalavam, agora tremem. Os
olhares que nos protegeram agora se transformam em bolas confusas e
medrosas. A segurança que veio desses lábios transforma-se em
impotência. Quem inventava maneiras de comermos bem, passa a necessitar
que cortemos a comida em pequenos pedaços. Quem contava “um, dois, três”
para nos lançar para o céu, hoje não pode subir a escada sem precisar
do nosso apoio.
Da antiga pressa para chegar logo ao destino, passam a perguntar “Que
dia é hoje, filho?” O tempo passa e nossos pais também crescem, isso é
difícil.
Ser pai é conter, apoiar, acompanhar o crescimento, ser fiador dos
nossos filhos. Somos crianças quando nascemos e voltamos a ser quando
envelhecemos. Nesta curva, nós filhos deixamos de sermos cuidados e
passamos a ser cuidadores. A equação de proteção é invertida, aqueles
que antes nos vigiavam passam a precisar da nossa proteção. E homens e
mulheres estão preparados – embora muitas vezes não saibamos como –
administrar a educação de nossos filhos. Mas não estamos em condições de
fazer isso com nossos pais. Podemos nos questionar e perguntar por que
isso nos custa tanto.
Criar nossos filhos é acompanhar com alegria, medo, sucessos e erros o
começo da vida. E pensar no declínio e na morte de nossos próprios pais
nos deixa tristes, irritados e confusos. Isso nos angustia, nos irrita e
nos confronta com o filme de nossa própria finitude. Ver nossos idosos
envelhecendo é testemunhar um lento declínio dos guerreiros.
“Parte meu coração vê-la tão frágil, indefesa e desamparada. Eu não consigo me acostumar a vê-la assim.”
A expectativa de vida é muito maior hoje do que há décadas, devido aos avanços da medicina, às políticas de vida mais saudáveis e à evolução das espécies. Isso é fantástico, mas tudo tem prós e contras. Nossos pais terão mais chances de chegarem a ser idosos, mas… Cuidar deles é também dizer adeus. É relembrar a nossa relação, os desafios, os carinhos, as tristezas e alegrias. A morte existe e entristece, e se é de nossos pais mais ainda.
Mas, como Victor Frankl disse no horror de um campo de extermínio do
genocídio nazista, “a última coisa que podem nos tirar é nossa
liberdade”. E mesmo nessa situação de dor, temos opções.
Há tantas combinações possíveis quanto histórias de pais e filhos,
mas basicamente há três maneiras de lidar com essa situação. 1.Podemos
ser filhos super-protetores e hipotecar nossas vidas, mas claramente não
recomendo isto. 2. Podemos negar que estamos nos distanciando
emocionalmente.
E a 3. Ou podemos tentar, o mais difícil, isto é: um equilíbrio
saudável e amorosamente acompanhar esta fase de suas vidas. O equilíbrio
é sempre a melhor maneira de evitar a superlotação de consultórios
psicológicos. Diversas consultas em meu consultório estão relacionadas à
gestão de pacientes adultos no relacionamento com seus pais, como
cuidar deles sem invadir espaços, como acompanhar sem exageros, de um
lado ou de outro.
Naturalmente, ter dinheiro será um aliado quando se trata de
construir dispositivos de assistência e suporte. Mas além disso, o que
eu quero apontar é a maneira como você se sente, pensa e se comporta
diante dessa realidade inevitavelmente dolorosa.
E se nossos pais não foram amorosos conosco?
Alguns vão pensar “meus pais não me amaram e eu sofri muito com isso, como eu me importo com eles agora?” É um dos pontos mais difíceis desta questão, quando a relação foi ruim e o amor esteve apenas em segundo plano. Torna-se muito mais complicado transformar um filho no pai de seu pai.
Há mães e pais que fazem o melhor que podem. Mas eu também devo
dizer, e isso é controverso e deixo o debate em aberto, há pais que não
foram capazes, não quiseram ser pais amorosos. Se os filhos sofreram
muito essa falta de carinho, é muito complicado que devolvam o que não
receberam.
Também é importante saber que enquanto o passado grita, o presente se
torna sombrio. É importante resolver os problemas pendentes com nossos
pais quando eles estão vivos. É até idiota dizer isso, mas com lápides
não podemos resolver ou administrar conflitos. Não vamos deixar para
amanhã os conflitos que podemos resolver hoje.
A arte de colocar limites
Por outro lado, nossos pais e nós precisamos colocar em funcionamento limites e estratégias para lidar com novas situações. Teremos que lidar com suas ansiedades, entender angústias, mas também saber dizer não. Pessoas muito idosas podem ser extremamente exigentes e seus filhos terão que se diferenciar quando algo é importante e quando não é.
Caixa de Ferramentas
Paciência:
Quase tanto quanto tiveram conosco quando éramos pequenos. Se eles não se lembram de coisas, se levam muito tempo para se vestir, se são desajeitados com suas tarefas. É difícil, é difícil, mas paciência.
Criatividade
Estratégias de busca para enfrentar essa nova realidade são necessárias. Encontre momentos de reuniões, aproveite o que puder, aproveite a oportunidade para perguntar tudo o que queremos saber sobre a nossa história, ser criativo ajuda a superar momentos difíceis em nossas vidas.
Capacidade de colocar palavras em nossas emoções
A raiva é geralmente o disfarce da tristeza. Identificar se é um ou outro nos permitirá agir melhor.
Os filhos têm a possibilidade de acompanhar e serem protagonistas dos
últimos anos de vida dos pais, têm a chance de dar um pouco do amor que
receberam, têm a maravilhosa oportunidade de administrar a dor com amor e
integridade, e talvez um dia , a ideia de morte torna-se menos tortuosa
se conseguirmos fechar de forma saudável os duelos e desafios que a
vida está colocando no caminho.
Este texto é uma tradução adaptada do texto “Cómo afrontar la difícil
tarea de ser padres de nuestros padres” do psicólogo Alejandro Schujman
para o Clarín.
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