Por que o vilão, tendo o mocinho amarrado à sua mercê, passa
horas conversando e contando vantagem e recapitulando como praticou os crimes,
em vez de matar logo o mocinho? Resposta: porque ele é um “gourmet”, e matar
sem saborear não tem graça. A dilatação do tempo é para potencialização do
prazer. Para esse tipo de vilão o Mal
não é um fim em si, é apenas um objetivo intermediário para chegar ao Prazer.
Ele despreza as pessoas que matam apenas para livrar-se de um problema. O
crime, para ele, é como um salto ornamental ou um solo de cavaquinho, precisa
ser executado com a perfeição da longa prática e precisa ser sentido como uma
obra de arte. Morte sem texto, por mais heróica ou importante que seja, é
sempre um anticlímax. E o clímax é esse discurso final diante do mocinho
manietado, mas raramente amordaçado, para que possa terçar argumentos com o
criminoso. Virou um tropo, uma figura de linguagem do gênero.
Esse recurso dramatúrgico vem certamente do teatro, a cujo
espírito pertence. No teatro tradicional, mais até do que no cinema, é pecado
mortal matar um vilão ou tentar matar um herói em poucos segundos. Nas cenas
finais das tragédias de Shakespeare há muitas lutas de espadas (cuja duração,
ao longo da história, diretores e atores elasteceram até os limites da
credibilidade), entremeadas de copiosas falas que são, na verdade, a razão de
ser daquilo tudo.
O melodrama popular, ademais, precisava nesses minutos
decisivos deixar o espectador com uma ideia aproximada do que tinha acontecido
no espetáculo, quem matou quem e por que motivo, qual a razão do ódio da
família X pelo clã Y, e assim por diante. Quando o melodrama teatral de 1850
foi substituído pela literatura policial de 1900, esse papel passou a caber ao
detetive: era ele que encurralava o vilão (geralmente numa sala cheia de
autoridades e testemunhas) e impiedosamente descascava camada por camada dos
fatos que cercaram o crime. O melodrama, porém, não tinha essa sofisticação de
enredo, e precisava de uma confissão em voz alta do próprio vilão, que o herói
confrontava movido por energia e boas intenções, mais do que pelos talentos
dedutivos que só viriam na fase pós-Sherlock Holmes. Esses monólogos, nos
melodramas, são consanguíneos daquela velha técnica do “à parte”, quando o ator
diz algo para a platéia e os personagens em volta fingem que não escutaram.
No folhetim e no melodrama, o vilão se denunciava, num acesso de jactância. Quando o vilão acorrenta o herói e diz: “Sim, pobre ingênuo, fui eu quem afundou o navio, incendiou a estação de trem, envenenou a água do castelo...”, o pobre ingênuo a quem ele se dirige é o espectador.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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