“Eu rogo a Deus que ele morra primeiro que eu; ele não suportará a dor de me perder, quero para mim essa dor”
Não
deu. Carolina se foi primeiro e a dor ficou mesmo para o velho bruxo. A
dor que o mataria, como ela previra. Sem sua grande companheira, doente
e deprimido, Machado viveu ainda quatro anos de profunda tristeza.
Morria lentamente dentro do imenso vazio que a ausência de Carolina
deixou. Abaixo transcrevemos uma das cartas que ele escreveu ao amigo
Joaquim Nabuco, contando de sua tristeza e dor. Logo a seguir, o poema
que ele compôs em homenagem a esposa que se foi.
Foi-se a melhor parte da minha vida
Carta de Machado a Joaquim Nabuco contando da sua tristeza pela morte da amada
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904
Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1904
Meu caro Nabuco,
Tão longe, em outro meio, chegou-lhe a notícia da
minha grande desgraça, e você expressou logo a sua simpatia por um
telegrama. A única palavra com que lhe agradeci[1] é a mesma que ora lhe
mando, não sabendo outra que possa dizer tudo o que sinto e me
acabrunha. Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no
mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é
um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa
companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação
que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos
velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um grande favor;
primeiro porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a morrer;
segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das
saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e
verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas
preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui
me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos
seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do
eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela
me esperará.
Não posso, meu caro amigo, responder agora à sua
carta de 8 de outubro; recebi-a dias depois do falecimento de minha
mulher, e você compreende que apenas posso falar deste fundo golpe.
Até
outra e breve; então lhe direi o que convém ao assunto daquela carta,
que, pelo afeto e sinceridade, chegou à hora dos melhores remédios.
Aceite este abraço do triste amigo velho
Machado de Assis
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Fonte aqui
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