A máxima de Horácio, contudo, não pode ser compreendida nem como uma
incitação a entrega aos prazeres do presente, ao dolce farniente, como
propõem alguns de seus leitores mais apressados, nem como uma simples
espera passiva diante das coisas. Na verdade, ela é a constatação de que
os seres humanos são marcados pelo dia, essa unidade temporal que
designa o momento atual, o tempo presente, o breve instante. Diz o texto
da Ilíada, “os mortais são semelhantes a folhas, que ora vivem
esplendorosamente, comendo o fruto da terra, ora se consomem e caem no
nada”.
Ciente da efemeridade da vida humana, diante dos muros de Tróia,
Ulisses sabe que deve viver um dia por seu turno e esperar o que os
deuses lhe reservam de novo a cada manhã. Ao contrário dos habitantes do
Olimpo que vivem a eternidade no tempo do kairós, Ulisses está situado
na cotidianidade, no tempo do chronos. No julgar de Marcel Detienne,
essa diferença revela uma discrepância de vitalidade entre os humanos e
as divindades do Olimpo. Ambos têm aiôn, vida, porém os deuses não se
preocupam com o futuro porque são imortais e vivem o sempre. Os humanos,
em contrapartida, por serem mortais, inquietam-se com o vindouro, mas
finalmente não deveriam, pois o que eles podem viver como realidade é
apenas o diário, o imediato, o agora.
Capturar o instante fugitivo e não se inquietar com o porvir. Para quem
acha que isso é muito pouco, convém lembrar que um dia não é tão curto
assim, como revela a jornada de outro Ulisses, o de Joyce, em sua
odisseia entre Bloom e Molly. É que finalmente o instante presente é um
enigma. O tempo, esquecemos, é sempre o presente. Presente do passado,
no caso da memória, presente do futuro, no caso da espera, presente do
próprio presente, no caso do agora. Curiosamente, o instante presente é
desprovido de toda duração. Afinal, como bem observou Hegel, o agora não
é mais quando ele é. O instante presente desaparece do momento mesmo
que tomamos consciência dele.
Mesmo nos escapando, o dia é tudo o que podemos possuir. Capturá-lo em
sua inteireza não é algo evidente. É um aprendizado, uma conquista.
Eduardo Rabenhorst
Fonte: wscom
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