Machado de Assis – 15 de Agosto de 1876
Gosto dos algarismos, porque não são de
meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às
vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros,
francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases: o algarismo não
tem frases, nem retórica.
Assim, por exemplo, um homem, o leitor ou eu, querendo falar do nosso país dirá:
– Quando uma constituição livre pôs nas
mãos de um povo o seu destino, força é que este povo caminhe para o
futuro com as bandeiras do progresso desfraldadas. A soberania nacional
reside nas Câmaras; as Câmaras são a representação nacional. A opinião
pública deste país é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e
das coisas. Peço à nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles de
Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior a todos
os direitos.
A isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:
– A nação não sabe ler. Há 30% dos
indivíduos residentes neste país que podem ler; desses uns 9% não lêem
letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o
Sr. Meireles Queles: é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que
ele quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos
votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam
como vão à festa da Penha, – por divertimento. A constituição é para
eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma
revolução ou um golpe de Estado.
Replico eu:
– Mas, Sr. Algarismo, creio que as instituições …
– As instituições existem, mas por e
para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político. Não se
deve dizer: “consultar a nação, representantes da nação, os poderes da
nação”; mas – “consultar os 30%, representantes dos 30%, poderes dos
30%”. A opinião pública é uma metáfora sem base: há só a opinião dos
30%. Um deputado que disser na Câmara: “Sr. Presidente, falo deste modo
porque os 30% nos ouvem…” dirá uma coisa extremamente sensata.
E eu não sei que se possa dizer ao
algarismo, se ele falar desse modo, porque nós não temos base segura
para os nossos discursos, e ele tem o recenseamento.
Referências:
– ASSIS, Machado. Analfabetismo. In: Crônicas Escolhidas. São Paulo: Editora Ática S.A, 1994.
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