Quando finalmente os espanhóis conseguiram desembarcar nos
Açores, em 1581, a invasão foi rapidamente rechaçada. Os açorianos
aguardaram o exército espanhol sair dos navios e lhes lançaram manadas
de touros enfurecidos morro abaixo, o que matou boa parte dos homens,
fazendo o restante voltar às pressas e borrados para os navios. Até
aqui, nada demais além dos touros, é claro. Mas só até aqui, quando lhes
direi que, entre os que se salvaram, estavam Miguel de Cervantes e Lope
de Vega, que recordou aquela ‘selvageria’ em seus poemas.
Antonio Tabucchi, em Mulher de Porto Pim (adaptado)
Este é um livrinho lá dos anos 80
escrito por Antonio Tabucchi, o escritor italiano mais português que já
existiu. Apaixonado por Portugal, por Pessoa, Antero, pela cidade de
Lisboa e que tais; tradutor de literatura portuguesa para o italiano,
autor de vários e deliciosos pequenos livros — verdadeiros azulejos
portugueses plenos de arte e poesia, formando um belíssimo mosaico –,
Tabucchi escreveu seus últimos livros direto em português, pois não
fazia mais sentido escrever em italiano. Teve também o bom gosto de
casar-se com uma portuguesa. (Ah, as lisboetas!).
Neste Mulher de Porto Pim, sua
lusofonia chegou ao ponto de levá-lo ao arquipélago de Açores a fim de
lá pesquisar ficções, provavelmente do gênero baleeiro. Deu mais ou
menos certo. O fato é que Tabucchi acabou foi fazendo uma bela crônica
de suas andanças pelas ilhas e escreveu um conto bastante bom — Mulher de Porto Pim. Tudo isso entremeado de notícias históricas das ilhas.
É um livrinho delicioso de menos de 100
páginas. Como não amar Açores? No século XIX, principalmente à noite, os
navegantes costumavam bater nas ilhas rochosas e naufragar. Então, os
açorianos recolhiam os restos dos navios, pegavam suas proas por
inteiro, cortavam-nas e construíam suas casas com elas. Explico: as
casas eram triangulares, duas paredes eram a proa original e a terceira
era a pedra do morro onde a proa era encostada. As janelas eram
escotilhas e tudo, mas tudo lembrava o navio de onde fora retirada a
casa. Dois viajantes ingleses que estiveram nas ilhas em 1839 ficaram
atônitos com a beleza de algumas casas. Tudo — lanternas, assentos,
mesas e até camas — quase tudo tinha sido retirado do mar. E as proas
estavam lá enormes, pintadas de cores variadas…
Claro que o povo vive da pesca de baleias e todos os peixes e de seus rebanhos. Devia ser o máximo morar em uma proa…
Bem, eu curti muito a crônica de Tabucchi. Recomendo!
do Blog do Milton Ribeiro
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