Algum tempo
atrás falei aqui que escrevo esta coluna “com um pé nas costas”, e que
ela não me exige nenhum esforço mental. Gostaria de corrigir esta
leviandade, se ainda der tempo. Na verdade eu devia estar me referindo
ao próprio texto que eu escrevia naquele momento, feito provavelmente
enquanto eu bebericava um café e esperava um telefonema.
Nem tudo é assim tão fácil. Já houve muitos casos em que comecei a escrever sobre um determinado assunto, percebi que não estava tão bem informado sobre o tema como imaginara, e fiquei das duas da tarde às dez da noite lendo alguns livros a respeito. Depois, escrevi o artigo em uma hora, e mandei.
Alguém irá me cochichar que a relação custo-benefício desse trabalho é meio deficitária, mas este linguajar de economês me lembra uma história de meus tempos de estudante. Meu guru João Antonio de Paula, que dirigia o cineclube de escola de Economia, comentou certa vez:
“Rapaz... Marx era fogo. Ele só falava de um assunto se ele entendesse mesmo. Se ele queria escrever um artigo sobre operários de usina siderúrgica, ele ia no Museu Britânico e lia todos os livros sobre siderurgia que tivesse lá.”
Por alguma razão misteriosa, esta informação incrustou-se em meu cérebro como um Projeto de Vida, um Estatuto de Conduta. Eu senti naquele exato instante, numa fria tarde belorizontina de 1971, que a vida humana só fazia sentido se um sujeito se comportasse exatamente daquela forma. E continuo achando, embora esta certeza esteja hoje temperada pelo bom senso.
Escrever é pensar em voz alta, é improvisar, mesmo quando a gente pesquisa até cair de sono. Nunca sabemos se dez horas de estudo nos renderão uma ideia sequer que se aproveite. O resultado às vezes é inversamente proporcional ao esforço, mas isto não é pretexto para que a gente se esforce menos.
As boas ideias sempre nos dão a impressão de terem caído do céu. Dizia um poeta francês: “On ne cherche pas, on trouve”. A gente não procura: acha. (Fui dar uma peruada no Google: a frase é atribuída a Picasso, mas eu pensava que o autor era Alfred de Musset, Alfred de Vigny, um desses caras.)
Todo trabalho envolve a dor de ficar procurando em vão e a delícia de ver uma ideia genial cair do céu no colo da gente. Mas mesmo quando a ideia cai do céu o sujeito ainda tem trabalho. É preciso levantar da poltrona, pegar o caderno, pegar a caneta, e ficar prendendo a ideia no papel para que ela não saia voando pela janela e vá pousar no juízo de alguém mais disposto.
Sabem por que os grandes cantadores de viola improvisam aqueles versos tão geniais? Porque improvisam o tempo todo. Quando você vir um cantador calado, o olhar perdido no teto, ou paradão no ponto de ônibus, ou fumando um cigarro no terraço, pode ter certeza de que ele está fazendo sextilhas, está glosando motes que ele mesmo inventa, está produzindo pepitas de ouro e jogando-as de volta ao rio, para procurar por elas quando alguém um dia lhe pedir uma.
Nem tudo é assim tão fácil. Já houve muitos casos em que comecei a escrever sobre um determinado assunto, percebi que não estava tão bem informado sobre o tema como imaginara, e fiquei das duas da tarde às dez da noite lendo alguns livros a respeito. Depois, escrevi o artigo em uma hora, e mandei.
Alguém irá me cochichar que a relação custo-benefício desse trabalho é meio deficitária, mas este linguajar de economês me lembra uma história de meus tempos de estudante. Meu guru João Antonio de Paula, que dirigia o cineclube de escola de Economia, comentou certa vez:
“Rapaz... Marx era fogo. Ele só falava de um assunto se ele entendesse mesmo. Se ele queria escrever um artigo sobre operários de usina siderúrgica, ele ia no Museu Britânico e lia todos os livros sobre siderurgia que tivesse lá.”
Por alguma razão misteriosa, esta informação incrustou-se em meu cérebro como um Projeto de Vida, um Estatuto de Conduta. Eu senti naquele exato instante, numa fria tarde belorizontina de 1971, que a vida humana só fazia sentido se um sujeito se comportasse exatamente daquela forma. E continuo achando, embora esta certeza esteja hoje temperada pelo bom senso.
Escrever é pensar em voz alta, é improvisar, mesmo quando a gente pesquisa até cair de sono. Nunca sabemos se dez horas de estudo nos renderão uma ideia sequer que se aproveite. O resultado às vezes é inversamente proporcional ao esforço, mas isto não é pretexto para que a gente se esforce menos.
As boas ideias sempre nos dão a impressão de terem caído do céu. Dizia um poeta francês: “On ne cherche pas, on trouve”. A gente não procura: acha. (Fui dar uma peruada no Google: a frase é atribuída a Picasso, mas eu pensava que o autor era Alfred de Musset, Alfred de Vigny, um desses caras.)
Todo trabalho envolve a dor de ficar procurando em vão e a delícia de ver uma ideia genial cair do céu no colo da gente. Mas mesmo quando a ideia cai do céu o sujeito ainda tem trabalho. É preciso levantar da poltrona, pegar o caderno, pegar a caneta, e ficar prendendo a ideia no papel para que ela não saia voando pela janela e vá pousar no juízo de alguém mais disposto.
Sabem por que os grandes cantadores de viola improvisam aqueles versos tão geniais? Porque improvisam o tempo todo. Quando você vir um cantador calado, o olhar perdido no teto, ou paradão no ponto de ônibus, ou fumando um cigarro no terraço, pode ter certeza de que ele está fazendo sextilhas, está glosando motes que ele mesmo inventa, está produzindo pepitas de ouro e jogando-as de volta ao rio, para procurar por elas quando alguém um dia lhe pedir uma.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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