Um ponto importante da sabedoria de vida consiste na proporção correta
com a qual dedicamos a nossa atenção em parte ao presente, em parte ao
futuro, para que um não estrague o outro. Muitos vivem em demasia no
presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os
medrosos e os preocupados. É raro alguém manter com exatidão a justa
medida. Aqueles que, por intermédio de esforços e esperanças, vivem
apenas no futuro e olham sempre para a frente, indo impacientes ao
encontro das coisas que hão-de vir, como se estas fossem portadoras da
felicidade verdadeira, deixando entrementes de observar e desfrutar o
presente, são, apesar dos seus ares petulantes, comparáveis àqueles
asnos da Itália, cujos passos são apressados por um feixe de feno que,
preso por um bastão, pende diante da sua cabeça. Desse modo, os asnos
vêem sempre o feixe de feno bem próximo, diante de si, e esperam sempre
alcançá-lo.
Tais indivíduos enganam-se a si mesmos em relação a toda a sua existência, na medida em que vivem ad ínterim [interinamente], até morrer. Portanto, em vez de estarmos sempre e exclusivamente ocupados com planos e cuidados para o futuro, ou de nos entregarmos à nostalgia do passado, nunca nos deveríamos esquecer de que só o presente é real e certo; o futuro, ao contrário, apresenta-se quase sempre diverso daquilo que pensávamos.
O passado também era diferente, de modo que, no todo, ambos têm menor importância do que parecem. Pois a distância, que diminui os objetos para o olho, engrandece-os para o pensamento. Só o presente é verdadeiro e real; ele é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência. Dessa forma, deveríamos sempre dedicar-lhe uma acolhida jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, ou seja, não a turvar com feições carrancudas acerca de esperanças malogradas no passado ou com ansiedades pelo futuro. Pois é inteiramente insensato repelir uma boa hora presente, ou estragá-la de propósito, por conta de desgostos do passado ou ansiedades em relação ao porvir.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'
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