O socialismo é um arranjo de ideias segundo o qual toda e qualquer
transcendência deve ser refutada imediatamente como ideológica. A
única realidade seria o dado sensorial imediato. Toda e qualquer
interpretação deste, o que inclui a filosofia inteirinha, é por seus
sustentadores considerada como ideologia opressora, autoritária e
silenciadora.
Como, porém, alguém chega à afirmação grotesca de que Jesus Cristo teria sido socialista?
A distorção cognitiva é tão grande que requer a análise de cada termo do julgamento.
O termo “socialista”, aqui, é esvaziado de seu significado
real, filosófico e histórico, e forjado retoricamente a partir de ideias
difusas, genéricas, inconsistentes, imprecisas, composto pela revolução
cultural gramsciana, que tomou os seus aspectos positivamente
interpretáveis, quase de modo sentimentalista, para repropor o produto
de modo propagandísticamente atraente. E deu certo por um certo tempo!
Ninguém sabia bem o que era o socialismo, mas as pessoas acreditavam que
era uma coisa boa, que nunca deu certo, embora ninguém saiba muito bem o
porquê, muito menos os socialistas, e que todo mundo que era “do bem”
devia ser socialista de algum modo…
Neste sentido, Paulo Freire soube traduzir o ideário socialista num
discurso tão sentimentalmente apelativo para a consciência cristã que,
finalmente, conseguiu aquilo que a filosofia marxista de Karl Korsh
pretendia, substituir a consciência do homem pela estrutura mesma do
marxismo.
A falsificação, embora grosseira, precisava ir muito mais além, e recriar a própria imagem de Jesus Cristo. Em
certo sentido, teria de dar-se a inversão completa do dado bíblico:
agora teríamos que criar um Jesus Cristo à imagem e semelhança do “homem
novo” socialista. Mas, como fazê-lo?
Havia um modo. Já nos finais do século XIX, a teologia
protestante histórico-critica havia criado aquilo que, em lógica, se
chama “falácia de falsa dicotomia”: o Cristo da fé versus o Jesus histórico. Aquele
seria uma elaboração posterior da comunidade dos crentes, este seria o
personagem real, com uma práxis histórica revolucionária.
Com um golpe de retórica, transformaram Cristo em mitologia e,
obviamente, como o Jesus histórico seria em si mesmo inacessível,
transformaram-no também num mito, num arquétipo que, apesar de
inalcançável, seria, pelo menos, manipulável. A tese foi condenada por São Pio X, mas pouca gente deu importância.
A chamada “cristologia de baixo” se tornou o campo fértil para o desmonte do imaginário cristão. Apresentando-se
um Jesus “humano demais” conseguiu-se interceptar nele um novo Cristo,
desconhecido até então, um Cristo socialista.
Como, porém, esta série de desvios se tornou possível? Um
sem-fim de forçações flagrantes, inadequadas, absurdas, que fizeram
Cristo caber nos estreitíssimos limites materialistas do socialismo…
Não é possível substituir a fé por uma ideologia sem, antes, desligar a própria fé no coração do homem.
Se apresentassem este Cristo socialista para Agostinho, Tomás de
Aquino, Teresa d’Ávila, Inácio de Loyola ou Francisco de Assis eles
desprezariam o simulacro como uma loucura, no máximo, digna de risos. Isso jamais os convenceria!
Por quê? Porque, evidentemente, eles sabiam quem era Cristo. A luz da
fé, brilhando em suas almas, dava-lhes a percepção clara de Jesus
Cristo vivo, uma Pessoa real, na qual não há dicotomia alguma. É o Verbo Eterno, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, e pronto!
Num certo dia, quando Santa Teresa recebeu a primeira vez a graça da oração contemplativa, disse ao seu confessor: “eu vi Jesus Cristo”. Ele perguntou-lhe como era Cristo. Ela não soube explicar. O sacerdote replicou-lhe: “mas como você sabe que era Ele?”. Ela disse: “estou mais certa disso do que da luz do Sol que ora brilha sobre nós”.
Ela conheceu Cristo porque, pela graça, penetrou em outro nível
ontológico, percebeu o ser divino como fonte do ser mesmo de todos os
seres. Ela viu a Deus pela fé.
O mesmo disse Agostinho: “queres tocar em Cristo, crê que Ele é co-eterno com o Pai e o terás tocado”.
Jesus Cristo jamais poderia ser socialista, não apenas porque isso
seria totalmente extemporâneo, mas porque aqui há uma contradição
radical de princípios: o socialismo, por princípio, não é sequer
uma filosofia, mas um arranjo de ideias usado por um grupo de pessoas
que visa somente o poder e, por isso, afirma que nada, na realidade, é
alguma coisa, tudo, absolutamente tudo, é apenas dado material-sensorial
puro sem significado; ao contrário, Jesus Cristo é a Verdade
mesma, o próprio Logos de que está impregnada totalmente a criação, o
Ser no ato de ser de todos os seres.
Entre estes dois princípios não há alguma conveniência. Conjugá-los
só é possível para quem não sabe direito o que é socialismo, desconhece
completamente Jesus Cristo pela fé e está munido de uma retórica
fatalmente fajuta.
Padre José Eduardo
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