quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Jesus socialista?

O socialismo é um arranjo de ideias segundo o qual toda e qualquer transcendência deve ser refutada imediatamente como ideológica. A única realidade seria o dado sensorial imediato. Toda e qualquer interpretação deste, o que inclui a filosofia inteirinha, é por seus sustentadores considerada como ideologia opressora, autoritária e silenciadora.

Como, porém, alguém chega à afirmação grotesca de que Jesus Cristo teria sido socialista?

A distorção cognitiva é tão grande que requer a análise de cada termo do julgamento.

O termo “socialista”, aqui, é esvaziado de seu significado real, filosófico e histórico, e forjado retoricamente a partir de ideias difusas, genéricas, inconsistentes, imprecisas, composto pela revolução cultural gramsciana, que tomou os seus aspectos positivamente interpretáveis, quase de modo sentimentalista, para repropor o produto de modo propagandísticamente atraente. E deu certo por um certo tempo!

Ninguém sabia bem o que era o socialismo, mas as pessoas acreditavam que era uma coisa boa, que nunca deu certo, embora ninguém saiba muito bem o porquê, muito menos os socialistas, e que todo mundo que era “do bem” devia ser socialista de algum modo…

Neste sentido, Paulo Freire soube traduzir o ideário socialista num discurso tão sentimentalmente apelativo para a consciência cristã que, finalmente, conseguiu aquilo que a filosofia marxista de Karl Korsh pretendia, substituir a consciência do homem pela estrutura mesma do marxismo.

A falsificação, embora grosseira, precisava ir muito mais além, e recriar a própria imagem de Jesus Cristo. Em certo sentido, teria de dar-se a inversão completa do dado bíblico: agora teríamos que criar um Jesus Cristo à imagem e semelhança do “homem novo” socialista. Mas, como fazê-lo?

Havia um modo. Já nos finais do século XIX, a teologia protestante histórico-critica havia criado aquilo que, em lógica, se chama “falácia de falsa dicotomia”: o Cristo da fé versus o Jesus histórico. Aquele seria uma elaboração posterior da comunidade dos crentes, este seria o personagem real, com uma práxis histórica revolucionária.

Com um golpe de retórica, transformaram Cristo em mitologia e, obviamente, como o Jesus histórico seria em si mesmo inacessível, transformaram-no também num mito, num arquétipo que, apesar de inalcançável, seria, pelo menos, manipulável. A tese foi condenada por São Pio X, mas pouca gente deu importância.

A chamada “cristologia de baixo” se tornou o campo fértil para o desmonte do imaginário cristão. Apresentando-se um Jesus “humano demais” conseguiu-se interceptar nele um novo Cristo, desconhecido até então, um Cristo socialista.

Como, porém, esta série de desvios se tornou possível? Um sem-fim de forçações flagrantes, inadequadas, absurdas, que fizeram Cristo caber nos estreitíssimos limites materialistas do socialismo…

Não é possível substituir a fé por uma ideologia sem, antes, desligar a própria fé no coração do homem.

Se apresentassem este Cristo socialista para Agostinho, Tomás de Aquino, Teresa d’Ávila, Inácio de Loyola ou Francisco de Assis eles desprezariam o simulacro como uma loucura, no máximo, digna de risos. Isso jamais os convenceria!

Por quê? Porque, evidentemente, eles sabiam quem era Cristo. A luz da fé, brilhando em suas almas, dava-lhes a percepção clara de Jesus Cristo vivo, uma Pessoa real, na qual não há dicotomia alguma. É o Verbo Eterno, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, e pronto!

Num certo dia, quando Santa Teresa recebeu a primeira vez a graça da oração contemplativa, disse ao seu confessor: “eu vi Jesus Cristo”. Ele perguntou-lhe como era Cristo. Ela não soube explicar. O sacerdote replicou-lhe: “mas como você sabe que era Ele?”. Ela disse: “estou mais certa disso do que da luz do Sol que ora brilha sobre nós”.

Ela conheceu Cristo porque, pela graça, penetrou em outro nível ontológico, percebeu o ser divino como fonte do ser mesmo de todos os seres. Ela viu a Deus pela fé.

O mesmo disse Agostinho: “queres tocar em Cristo, crê que Ele é co-eterno com o Pai e o terás tocado”.

Jesus Cristo jamais poderia ser socialista, não apenas porque isso seria totalmente extemporâneo, mas porque aqui há uma contradição radical de princípios: o socialismo, por princípio, não é sequer uma filosofia, mas um arranjo de ideias usado por um grupo de pessoas que visa somente o poder e, por isso, afirma que nada, na realidade, é alguma coisa, tudo, absolutamente tudo, é apenas dado material-sensorial puro sem significado; ao contrário, Jesus Cristo é a Verdade mesma, o próprio Logos de que está impregnada totalmente a criação, o Ser no ato de ser de todos os seres.

Entre estes dois princípios não há alguma conveniência. Conjugá-los só é possível para quem não sabe direito o que é socialismo, desconhece completamente Jesus Cristo pela fé e está munido de uma retórica fatalmente fajuta.
 
Padre José Eduardo

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