Uma vez
estávamos ajudando um amigo a fazer uma mudança, em Campina. No meio da
turma havia um carioca. A certa altura a dona da casa nos indicou uma
caixa: “Podem ir levando aquela, mas cuidado, são coisas de quebrar”. O
carioca ficou meio desconcertado, e arriscou uma brincadeira: “Bem, já
que é de quebrar, vamos jogar no chão”.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo.
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode.
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural.
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato.
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro.
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.
“Coisa de quebrar”, em nordestinense, significa “coisa frágil, que corre o risco de se quebrar facilmente”. Para pessoas de outras regiões, deve significar “coisa para quebrar, coisa que é preciso quebrar para que tenha uso”. Casca de ovo, por exemplo.
Este é um entre mil exemplos de um uso aparentemente errado de preposição, porque a palavra “de” nos evoca de imediato uma série de expressões em que indica finalidade, necessidade: água de beber, etc. Além de outras em que o sentido implícito é ligeiramente diferente (quarto de dormir, sala de estar, etc.), mas sempre positivo, ou seja, o verbo está ali indicando que deve ser praticado.
Numa expressão como “quarto de dormir”, “água de beber” ou “pedra de amolar”, o “de” pode ser substituído por “que serve para”. Numa expressão como “coisa de quebrar”, não pode.
A idéia de que a expressão nordestinense está errada (como já ouvi dizer) talvez venha desse fato, do fato de que ela é tão rara (fiquei aqui tentando lembrar exemplos equivalentes a “coisa de quebrar” e não me ocorreu nenhum) que induz facilmente à confusão com expressões contrárias, pela semelhança estrutural.
E isto parece ser o tipo de coisa que os gramáticos desaconselham. Eles tentam fazer com que o idioma fique mais organizado, mais claro, mais fácil de entender. O problema, como sempre, é que para cada gramático aconselhando a coisa mais lógica existe um milhão de usuários fazendo a coisa menos lógica, e a língua evolui nesse joguete entre o poder de decisão de uns e o poder de criação dos outros.
O erro alheio sempre dói no nosso ouvido, mas o erro que cresceu conosco não nos incomoda, mesmo quando aceitamos que é um erro. Eu não aguento ouvir certas formas de falar como por exemplo “Eu quero dizer a vocês DE que isto é muito importante”. Esse “de” fora de hora, fora de lugar, fora de propósito, é uma pedra no sapato.
Já o “coisa de quebrar” não me soa como erro. Quem impõe um significado é o contexto. Passei a vida ouvindo dizer “cuidado, isso aí é de quebrar”, e mais que o sentido literal das palavras valia o contexto, o gesto de advertência, o tom de preocupação, e o fato de que em geral eu sabia que o pacote continha ovos ou a sacola continha taças de vidro.
Que me corrijam os gramáticos, mas essas formas de dizer resultam de convenções, de hábitos tacitamente aceitos e que com o tempo se solidificam em norma. Em regiões diferentes essa cristalização se dá de forma diferente, e cada uma tem o direito de achar a sua forma tão legítima quanto as outras, mesmo que pela lógica não o seja.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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