terça-feira, 2 de maio de 2017

Gestos mecânicos

O maior e melhor clichê dos gestos de que tratarei nesta crônica é o dos "Tempos Modernos" do imortal Charlie Chaplin. Aqueles que repetimos diariamente e na mesma sequência. Com a idade, então, eles vão ficando cada vez mais mecânicos e insuportavelmente repetitivos. Ao acordar o ato de espreguiçar, alongando braços e pernas dá início à maratona de gestos que se sucedem quase que automaticamente. Virar para o lado e olhar as horas no criado-mudo. Invariavelmente é sempre a mesma hora. Até parece que o relógio esta parado com os ponteiros naquela posição. Olhar no espelho do banheiro, e fazer um ar desolado com a imagem. Cabelos desalinhados, e olhos inchados. Pegar a escova de dente, abrir a pasta, dar uma pequena umedecida, e depois de escovar, dar duas rápidas batidas com o cabo na beirada da pia. Fazer barba é um ritual de gestos idênticos. Esquentar a água, molhar o pincel, esfrega-lo no sabão Phebo, dentro de uma cuia, dar duas ou três pinceladas, e ensaboar o rosto. Esse sabonete que foi feito para ser usado como creme de barba, descobri faz mais espuma, e de melhor qualidade, do que qualquer creme específico. Depois são os gestos com o barbeador da Gillette, XPTO-da-SILVA, que diz a publicidade faz mais barbas por um menor preço, e mais conforto. Começo pelas costeletas da direita, e faço sempre o mesmo percurso, até retirar toda a espuma e a barba de um dia. Herança de um hábito familiar. Meu avô e meu pai sempre fizeram barba todos os dias. Já o Guilherme, meu filho, usa aquela barba de sete-dias, que esta na moda. Depois o banho de chuveiro tem o mesmo ritual de sempre. Começo pela careca, e termino lavando os pés, em gestos sempre parecidos. Até o fato de o sabonete cair, e ter de encontra-lo no piso do chuveiro, com os olhos semicerrados, por conta da água e sabão, são os mesmos. Só varia o lugar que ele se esconde. Enxugar o corpo tem o mesmo ritual, sempre. Passar a mão no espelho para desembaça-lo e poder pentear o que me sobrou de cabelo sobre as orelhas, e assim por diante, todos os dias, os mesmos gestos.   

Eduardo P. Lunardelli

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