A emoção em “O Carteiro e o Poeta” (Il Postino – 1994), dirigido por
Michael Radford, já nasce nos primeiros segundos, com a linda trilha
sonora de Luis Bacalov, que consegue transmitir um profundo sentimento
de nostalgia, como que a sociedade gritando por ajuda, a necessidade do
retorno de valores já tidos como antiquados e dispensáveis. O homem
humilde, vivido por Massimo Troisi, emocionalmente inseguro, que, por
hábito, aprendeu a se minimizar, observando ternamente a foto amarelada,
enquanto o dia lentamente desperta. Ele tenta estabelecer contato com o
pai, um pescador embrutecido pela vida, porém, o velho não escuta suas
desajeitadas palavras, preocupado mais com o mecânico saciar de sua
fome. Ao conhecer o poeta Pablo Neruda, vivido por Philippe Noiret, em
um cinejornal, o homem toca brevemente aquele mundo desconhecido,
totalmente diferente de sua simples comunidade pesqueira. A escuridão da
sala de cinema potencializa a mágica desse primeiro encontro,
posicionando o homem, em sua pequenez, diante do gigante visitante
estrangeiro na tela.
Ele tenta conseguir um emprego como carteiro,
porém, num toque sutil, a câmera se foca na exigência de uma bicicleta.
A sua insegurança é tanta, que, sem pensar duas vezes, ele adentra o
local com a bicicleta, como que tentando garantir sua contratação, antes
de precisar abrir a boca. Vale notar a postura dele ao avisar ao
empregador sua fragilidade intelectual, afirmando que sabe, de forma
lenta, ler e escrever, uma mentira que ele é incapaz de disfarçar,
quando reage de forma defensiva ao escutar que irá trabalhar apenas para
uma pessoa, já que todos na região são analfabetos. Em sua visão,
Neruda é o poeta amado pelas mulheres, aquele ser superior idealizado na
sala escura. A remuneração é pouca, o trabalho é cansativo, devido ao
número expressivo de cartas que ele carregará, ele descobre até que o
poeta é um comunista, conotação política que não entende, mas nada disso
importa para o carteiro, que, com um emprego, passa a existir novamente
para seu pai. Ele é aconselhado a trocar o mínimo de palavras possível
com o estrangeiro, sendo submisso e prestativo, evitando incomodar.
No
primeiro encontro, ele se encanta com o carinho do poeta com sua
esposa, gesto que corrobora sua imagem idealizada. Ele sorri como uma
criança que flagra o beijo dos pais. A gorjeta era desnecessária, ele já
tinha tido satisfeito o necessário, a confirmação de sua crença. Em sua
mente, como todos que idealizam, ele cria até a ilusão de uma
conversação, já que afirma ao empregador que o poeta fala de forma
diferente, quando, na realidade, ele havia apenas agradecido pela
entrega das cartas. No segundo encontro, após efetivamente flagrar o
beijo do casal, ele toma um pouco de coragem e tenta, de forma
desajeitada, estreitar a relação, colocando-se à disposição dele para
qualquer trabalho extra. O carteiro precisa aprender aquele truque de
mágica, aquela facilidade de encantar tantas mulheres. Com mais uma
frase trocada, ele já expande sua ilusão, afirmando que o poeta também é
um exímio contador de piadas. Sem cartas, ele vai até o poeta para
conseguir uma dedicatória em um livro, uma prova de que ele é seu amigo,
um tesouro que ele pretende utilizar com as mulheres, porém, para sua
tristeza, seu nome não consta na breve dedicatória.
O carteiro se esforça, tentando compreender o poder sedutor por trás
daquelas linhas, letras pequeninas, exercitando timidamente metáforas
com o poeta, ainda que não saiba o que significa a palavra, como que
mostrando a ele que poderiam ser amigos. Ele não compreende a razão de
algo tão simples possuir um nome tão complicado. E, numa cena bonita em
simbolismo, pela primeira vez, o enquadramento mostra o poeta se
colocando em posição de submissão, sentado, diante do simples carteiro,
que, de pé, tenta impressioná-lo com o resultado de seu estudo dedicado.
A poesia explicada torna-se banal, ele aprende que a mágica perde o
fascínio quando o truque é revelado. Os dois homens, tão diferentes em
teoria, acabam se descobrindo, na prática, iguais. Não há mestre e
aprendiz, ambos aprendem. O efeito desse encontro, um evento
transformador na vida dos dois, uma amizade nascida da improbabilidade,
fortalecida com o amor pela palavra escrita. O carteiro deseja contar
para o pai sua felicidade, mas, com sua sensibilidade que está sendo
apurada, percebe que o velho bronco não irá compreender sua conquista,
ou compartilhar seu orgulho, então, triste, ele silencia. A cultura,
único elemento que verdadeiramente modifica o homem, já havia começado a
libertá-lo daquela realidade simplória.
O emocionante terceiro
ato, as circunstâncias de bastidores, com Troisi cada vez mais
fragilizado, o adiamento de uma cirurgia cardíaca que poderia ter
garantido mais alguns anos de vida, uma escolha apaixonada pela
finalização da obra, decisão que evidencia a importância do filme na
vida do querido ator italiano. Sua morte, por ataque cardíaco
fulminante, no dia seguinte ao término, trouxe lágrimas aos rostos de
cinéfilos do mundo todo. Seu legado é eterno, assim como a influência do
poeta na vida do personagem. O filho, que ele não chega a conhecer,
carrega o nome do estrangeiro, que, a despeito de todos os avisos do
empregador, acabou se encantando pela amizade pura e sincera do tímido
carteiro. Seu poema, criação que o ídolo nunca irá conhecer, perdido na
revolta dos manifestantes, foi o atestado de independência e segurança
emocional. A beleza da gratidão.
Por Octávio Caruso
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