O papel carbono com formato anatômico estava esperando sua vez de se avistar com o
"majorengo". Um soldado passava, imponente, segurando o fuzil pelo pescoço,
como se segura um ganso morto. Na luz baça da sala, em que a atmosfera podia ser cortada
a navalha, o fumo se erguia da multidão de pardos esperando destino. Ele também lá
estava esperando seu destino, naquela madrugada de sábado em que a garoa andava
envolvendo a treva em celofane fosco.
De repente, o delegado chegou. E começou o desfile dos culpados. Foi quando chegou a hora da "conversa" com o papel carbono:
Seu nome ?
— Zequié de Oliveira !
— Como?
— Zequié, mais a turma trata eu de Pente Fino.
E o delegado começou a indagar que é que Pente Fino estava fazendo. Nada. Ele não estava, fazendo nada, quando a “tirage” chegou e encanou ele, sem mais aviso e sem nem dar "satisfa". Foi aí que ele enfezou, puxou da "ferramenta de fazer cadáver" e queria bancar o Prestes Maia, abrindo pelo menos duas avenidas em cada cara de policial.
— Valente, hein? — disse o delegado.
Valente — ele? — não! Até que Pente Fino não tinha nada de valente. É que ele tinha sido preso de maneira desonesta. Onde é que se viu "tirage" prender gente que não está fazendo nada? Aí, se adiantou um tira e começou a explicar. Que o Pente Fino estava numa esquina das Perdizes, às duas da manhã, assobiando como um desesperado. Então, que eles acharam o assobio muito suspeito e "encanaram" mesmo.
— Mas então — discute Pente Fino — assobiar na rua é proibido? E a Constituição? A Constituição não garante a liberdade de palavra? Assobio não é um jeito que a música tem de ser palavra? Foi por isso que ele se enfezou. Que numa cidade adiantada como São Paulo, um homem não tem sequer o direito de assobiar?
Mas é que ele estava assobiando de uma maneira muito suspeita, diz o "tira".
Como suspeita? Então — emendava Pente Fino na sua linguagem de Barra Funda — "então subiá é cospiração?". Ao que ele sabia, não era. E que demais a mais, o delegado fizesse aquilo que a justiça mandava. Se achava que ele merecia ficar "guardado", para "ver o sol nascer quadrado", que fizesse isso. Mas que crime, ele não tinha cometido nenhum.
O delegado reconhecia, sim, a inocência de Pente Fino. E, afinal de contas, assobiar não era delito. Podia ir embora em paz. Que fosse. Mas que não assobiasse mais pela rua, alta madrugada, que podia incomodar a vizinhança.
E lá se foi embora, feliz, o Pente Fino, colocando-se "sempre às ordens" do delegado e rematando toda a sua história de sábado com uma frase:
— Ah... seu dotô... Assubio é lição de violino de pobre!
De repente, o delegado chegou. E começou o desfile dos culpados. Foi quando chegou a hora da "conversa" com o papel carbono:
Seu nome ?
— Zequié de Oliveira !
— Como?
— Zequié, mais a turma trata eu de Pente Fino.
E o delegado começou a indagar que é que Pente Fino estava fazendo. Nada. Ele não estava, fazendo nada, quando a “tirage” chegou e encanou ele, sem mais aviso e sem nem dar "satisfa". Foi aí que ele enfezou, puxou da "ferramenta de fazer cadáver" e queria bancar o Prestes Maia, abrindo pelo menos duas avenidas em cada cara de policial.
— Valente, hein? — disse o delegado.
Valente — ele? — não! Até que Pente Fino não tinha nada de valente. É que ele tinha sido preso de maneira desonesta. Onde é que se viu "tirage" prender gente que não está fazendo nada? Aí, se adiantou um tira e começou a explicar. Que o Pente Fino estava numa esquina das Perdizes, às duas da manhã, assobiando como um desesperado. Então, que eles acharam o assobio muito suspeito e "encanaram" mesmo.
— Mas então — discute Pente Fino — assobiar na rua é proibido? E a Constituição? A Constituição não garante a liberdade de palavra? Assobio não é um jeito que a música tem de ser palavra? Foi por isso que ele se enfezou. Que numa cidade adiantada como São Paulo, um homem não tem sequer o direito de assobiar?
Mas é que ele estava assobiando de uma maneira muito suspeita, diz o "tira".
Como suspeita? Então — emendava Pente Fino na sua linguagem de Barra Funda — "então subiá é cospiração?". Ao que ele sabia, não era. E que demais a mais, o delegado fizesse aquilo que a justiça mandava. Se achava que ele merecia ficar "guardado", para "ver o sol nascer quadrado", que fizesse isso. Mas que crime, ele não tinha cometido nenhum.
O delegado reconhecia, sim, a inocência de Pente Fino. E, afinal de contas, assobiar não era delito. Podia ir embora em paz. Que fosse. Mas que não assobiasse mais pela rua, alta madrugada, que podia incomodar a vizinhança.
E lá se foi embora, feliz, o Pente Fino, colocando-se "sempre às ordens" do delegado e rematando toda a sua história de sábado com uma frase:
— Ah... seu dotô... Assubio é lição de violino de pobre!
Osvaldo Molles
Do livro “Piquenique Classe C”, Boa Leitura Editora, São Paulo, sem data, pág.
257, extraímos o texto acima.
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