sábado, 25 de março de 2017

Eu me lembro

Eu me lembro de quando as maiores ameaças aos meninos de Campina eram um bandido chamado João Cabeludo e um tarado chamado Barba Rala.

Eu me lembro de uma exposição que teve na antiga FUNDACT, onde depois foi o Forum da av. Floriano Peixoto, onde eu nunca esqueci uma coleção encadernada dos livros de Walter Scott (que até hoje ainda não li).

Eu me lembro de quando os ônibus trocaram as senhas de papel por fichas de plástico, redondas e coloridas, que a gente enfiava numa urna ao sair.

Eu me lembro de uma brincadeira de mesa de bar que consistia em mandar o outro procurar a fórmula “dd042” no rótulo da cerveja Brahma Chopp, e era a palavra “Chopp” de cabeça para baixo.

Eu me lembro da lojinha Zimbo Música, na Cardoso Vieira (eu morava em frente), e toda vez que botavam um disco de coco de embolada formava-se uma pequena multidão na calçada para escutar; isso não acontecia nem com Roberto Carlos.

Eu me lembro de quando botaram uma pipoqueira no saguão do cinema com um vidro redondo onde a gente via as pipocas pulando; dava a hora do filme começar e eu ficava com pena de não poder mais assistir as pipocas.

Eu me lembro de uma loja que tinha perto da esquina da Floriano Peixoto com a Venâncio Neiva chamada “O Palácio das Louças” e eu quando era menino lia de longe “O Palácio das Loucas” e imaginava uma história meio Mil e Uma Noites.

Eu me lembro de uma época em que o clima entre Treze e Campinense andava tão tenso que em cerca de um mês houve uns três episódios de jogadores que cruzavam uns pelos outros no centro da cidade e acabavam brigando de murros.

Eu me lembro dos bailes de carnaval em clubes, quando a orquestra tocava frevo durante horas e quando mudava para samba as pessoas diziam: “Agora é bom um samba, para descansar”.

Eu me lembro da primeira e talvez única vez em que passeei de canoa no Açude Velho. Com meus pais, talvez. Entramos, sentamos, a canoa começou a dar voltas, e depois de algum tempo eu enfiei a mão na água. Tive um susto, porque como a água do açude era parada eu esperava senti-la parada, e o que senti foi como uma correnteza muito forte, quase levando embora o meu braço.

Eu me lembro de uma caneta-tinteiro preta que eu usava e que tinha sido de meu pai (trazia o nome dele gravado, em pequeninas letras de imprensa) e um dia eu vinha descendo a Irineu Joffily pela lateral do Cine Capitólio e veio um cara, esbarrou em mim, e seis passos adiante quando levei a mão ao bolso da camisa, cadê minha caneta?

Eu me lembro de propagandas de lojas nas rádios: “Vais ou não vais à Casa Vaz?”, “A Insinuante: a mais moderna! A Moderna: a mais insinuante!”, “Casas José Araújo, onde quem manda é o freguês”, “Armazéns BBB, onde tudo é bom, bonito e barato!”.

Eu me lembro das laranjas vendidas na rua, descascadas com uma maquininha com um torno horizontal onde a laranja ficava presa e o cara girava uma manivela fazendo a laranja rodar de encontro a uma ponta metálica que tirava a casca em espiral.

Eu me lembro de Cadete, o fotógrafo do bairro de José Pinheiro, cuja propaganda dizia: “FOTO CADETE – dez letras a serviço da sua economia!”.

Eu me lembro do time amador do Fracalanza, que jogava muitas preliminares de jogos do Treze, e tinha um jogador chamado Lambretinha que tinha um pique assombroso com a bola nos pés.

Eu me lembro dos abajures com paisagens coloridas que, quando a lâmpada esquentava, começavam a girar e produziam um efeito parecido com o de um desenho animado.


Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo 

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