quarta-feira, 6 de julho de 2016

Mendigos

O mais honesto pedinte que encontrei estava, uma noite, na Cinelândia. Ele se aproximou cambaleante de nosso grupo — eu, Jaime Costa, Frazão, Delorges Caminha, Silva Filho, André Villon, Fernando Costa, Armando Rosas, Arlindo Costa, Santos Garcia e outros — e pediu:

— Dai uma esmola a um pobre bêbedo, pelo amor de Deus!... Outro, igualmente sincero, foi visto pelo Governador Eraldo Gueiros, recentemente, no interior de Pernambuco. Havia muitos anos que o mendigo posava de cego, nas feiras. Um dia, surgiu de aleijado. Perguntaram-lhe:

— Desistiu de ser cego, Zé?

— Desisti.

— Por quê?

— Porque me passavam muito dinheiro falso...

O comum dos que pedem na via pública, porém, é a insinceridade. Quando Joraci Camargo escreveu Deus lhe Pague, com o falso mendigo, filósofo e milionário, discutiram a realidade do tema. Entretanto, nada mais verossímil. Hoje, no Rio de Janeiro, a mendicância é comércio dos mais rendosos...

Ainda há dias, um motorista de praça me contou a história de uma dona que, todas as manhãs, vem pra cidade de táxi. Num quarto que alugou, veste o "uniforme de trabalho". Pede esmola até a noite, e, depois, de tornar a meter o paisano, toma outro táxi, para regressar a casa. Ganha, em média, 100 cruzeiros por dia. Trabalhando cinco dias por semana (Porque ela faz "semana inglesa"...), fatura cerca de 2 mil cruzeiros por mês. Quase 12 salários mínimos...

Muitas alugam crianças e surgem, ante a caridade pública, caracterizadas de mãe infeliz. Há um mendigo na cidade, segundo me informaram, que mantém amante de luxo, em apartamento da Zona Sul, tal qual o personagem que Procópio criou, na famosa comédia de Joraci Camargo. E é fato corriqueiro a polícia descobrir que muitos têm conta no banco e são até proprietários de imóveis...

Por essas e outras, vi (e contei aqui) quando um pedinte, logo cedo, estendia o jornal velho num canto de calçada, perto do edifício do Ministério da Fazenda, para instalar-se. E um popular que passava:

— Está abrindo seu banquinho, hein?!...

Enfim, os fatos mostram que a situação está de tal maneira que não se pode confiar nos mendigos, porque, como o uísque, nunca se sabe quando são legítimos ou falsificados...

Nestor de Holanda

O texto acima foi publicado na coluna "Telhado de Vidro", publicada no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, no dia 12 de novembro de 1970, e escrita poucos dias antes do falecimento do autor.

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