Completou-se no dia 4 de abril um ano da publicação no Diário Oficial da Resolução 163 do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que teve como objetivo detalhar o conceito de abusividade da prática da publicidade infantil.
Esse detalhamento foi realizado dentro da lógica da Doutrina de Proteção Integral da Criança e do Adolescente, cuja efetivação é uma das atribuições máximas deste órgão público legalmente criado e socialmente legitimado.
Considerada por mães, pais, organizações da sociedade civil e organismos internacionais como um marco histórico para a efetiva proteção das crianças no Brasil, a Resolução 163 não inovou em matéria legal. Ela apenas deixou ainda mais claro e evidente o que já existe há mais de 25 anos nos artigos 37 e 39 do Código de Defesa do Consumidor, nas garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente e, especialmente, no artigo 227 de nossa Constituição Federal, que estabelece a prioridade absoluta dos direitos da criança no Brasil.
Ocorre que as empresas que abusam da vulnerabilidade infantil e realizam cotidianamente publicidades às crianças optaram por ignorar a existência da legislação protetiva e continuaram até os dias de hoje com sua ilegal, injusta e antiética prática de persuasão e sedução das crianças para o consumo. Como se acima da lei estivessem, resolveram engrossar o coro daqueles que não se constrangem moralmente e fazem com que as normas jurídicas no Brasil “não peguem”.A restrição do direcionamento da publicidade ao público menor de 12 anos de idade deveria, na verdade, ter sido posta em prática na data da promulgação da Magna Carta de 1988 e de seu internacionalmente admirado artigo 227. A Resolução 163 do Conanda só nos fez lembrar disso.
Em um tempo em que se almeja o enfrentamento estrutural da cultura da corrupção na sociedade e nas instituições brasileiras, as empresas, e as pessoas que nelas trabalham, não podem se furtar à obrigação de cumprir a lei, mesmo que ela represente uma contrariedade aos seus interesses e uma suposta ameaça a seus ganhos econômicos.
Diz-se suposta a ameaça, pois as normas existentes, inclusive a Resolução, não regulam a veiculação comercial de determinado produto ou serviço, mas sim seu direcionamento. Portanto, qualquer produto que hoje é massivamente direcionado às crianças – como macarrões instantâneos, frangos empanados, brinquedos ou até mesmo seguros ou carros –, continuará a ter publicidades, mas eticamente redirecionadas aos adultos.
Essa simples, mas fundamental mudança, tornará a relação comercial entre anunciantes e consumidores mais justa, equilibrada e potencialmente mais rentável, pois a publicidade será finalmente feita para os devidos responsáveis e os verdadeiros detentores do poder de decisão e de compra em uma família.
Se sempre é, de forma equivocada e falaciosa, atribuída aos pais e mães a exclusiva responsabilidade pela formação e educação de uma criança, como não concordar com o direcionamento da publicidade apenas a eles?
Se o que se quer realmente é um novo Brasil para todas e todos, igualmente para as crianças, faz-se imperativo que essa mudança ocorra hoje em todas as esferas, inclusive e especialmente nas decisões e estratégias empresariais e publicitárias. “Fazer pegar” a Resolução 163 do Conanda e todas as leis de proteção à infância como marco de conduta, mais do que uma obrigação constitucional, é um passo civilizatório na construção de uma sociedade mais justa, baseada na ética e no entendimento de que a infância não pode continuar a ser mercantilizada.
Pedro Affonso D. Hartung e conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e Advogado do Instituto Alana.
Fonte: El país
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