sexta-feira, 24 de abril de 2015

O minuto da marmota

O Dia da Marmota (Groundhog’s Day) é uma festividade folclórica norte-americana, relacionada com a sucessão das estações do ano, mas acabou virando sinônimo de outra coisa. Por causa do filme Feitiço do Tempo de Harold Ramis, essa expressão virou sinônimo de “um mesmíssimo dia eternamente repetido”, como um disco enganchado, ou como uma atividade que é preciso repetir mil vezes até conseguir fazer certo.

No filme, Phil Connors (vivido por Bill Murray) a princípio se espanta, mas quando percebe que está preso num remanso do Tempo, se resigna a reviver aquele dia da melhor maneira possível. Tudo que as outras pessoas fazem é repetido sempre da mesma maneira, como se fosse um balé com coreografias bem marcadas, de modo que ele aprende a evitar pequenos acidentes. Como sabe que às 11:34 uma pessoa vai levar uma queda, ele dá um jeito de estar lá no minuto certo para evitar algo mais grave. Há uma cena impagável em que “todo dia” ele estuda o transporte de dinheiro de um Banco, e de tanto ver a cena se repetir aproveita um breve descuido dos guardas para surrupiar um dos malotes.

Comentando o filme, o diretor disse que provavelmente o personagem de Murray viveu o equivalente a dez anos (ou seja, dez vezes 365), repetindo aquele dia. Ramis disse que teria de ser mais ou menos esse tempo, já que Murray aprende a tocar piano bastante bem.

Esse conceito de uma cena revivida sem parar por uma pessoa é o mesmo que vemos nos videogames. Se num game de ação, guerra, policial, etc. o jogador precisa, digamos, invadir uma instalação militar e explodir uma bomba, ou entrar numa casa e roubar um documento, ou pegar um carro e fugir até a fronteira, cada tentativa sua provavelmente vai terminar com ele sendo abatido pelos inimigos. Quando o jogador morre, volta (como num Dia da Marmota) para o começo da mesma cena, e a repete de novo. Às vezes são necessárias dezenas de tentativas e dezenas de “mortes” para que ele por fim consiga executar suas ações da maneira ideal, sem ser abatido. Todo video-game é um dia da marmota, ou melhor dizendo um minuto da marmota, eternamente repetido, e que finda com a morte, não com o sono.

Borges dizia que, assim como a correnteza dá polimento aos seixos, gerações de pessoas dão polimento a uma história. O tempo as desbasta de tudo que é não essencial a si mesmas. Foi essa a chance que teve Phil Connors: a chance de dar polimento a um único dia de sua vida e reencaminhar alguns dos seus problemas. Digamos que ele precisou trocar um pneu com o carro em movimento, teve direito a mais de três mil tentativas dispondo de todo o tempo do mundo, acabou acertando... e o jorro do Tempo fluiu.


Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo

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