Ironias do destino. Fidel, o carismático, acabou no ostracismo e, como protagonista da “nova era”, surgiu seu irmão sem charme, sem fascínio, em uma palavra, sem carisma
Para quem acha que só os líderes carismáticos mudam a História, eis aí um bom exemplo do contrário: Raúl Castro, o “irmão (caçula) de Fidel”, como foi sempre mais conhecido.
Os outros personagens importantes da revolução que derrubou a ditadura de Fulgencio Batista, em 1959, tinham carisma. Che Guevara foi um mito, até porque morreu cedo, lutando e prometendo mais revoluções; Camilo Cienfuegos, o popular “Senhor da Vanguarda”, agia como uma espécie de alter ego de Fidel, que costumava interromper seus discursos para perguntar ao companheiro ao lado: “Como voy, Camilo?” Quanto ao “Comandante”, não é preciso dizer, foi o chefe absoluto do movimento.
Todos ganharam a guerra, ou melhor, a revolução, mas coube ao mais apagado deles arquitetar em seis anos o que o irmão famoso não conseguiu em cerca de 50 de poder: uma paz honrosa, retirando o país do isolamento e trazendo-o de volta à comunidade interamericana. Raul Modesto (até no nome), quem diria, inaugurou com Barack Obama, na VII Cúpula das Américas, o que foi considerada uma “nova era” nas relações EUA-Cuba.
Esse episódio convida a repensar o conceito de carisma, que ainda carrega muito do sentido religioso original e é usado na política de forma deturpada, como um dom divino, não só aqui como em outras partes do mundo.
Já ouvi muita gente dizer que o problema da Dilma é a falta de carisma, ao contrário de Lula, que teria demais. É como se esse fosse o defeito dela como presidente e a qualidade dele, com sua capacidade de fascinar seus seguidores e impressionar seus pares estrangeiros, como fez com Obama, que o chamou de “o cara”.
É possível que ele ainda seja o mais carismático político brasileiro, embora a sua popularidade tenha caído muito. No fim do seu governo, foi considerado o melhor presidente do país por 71% dos eleitores, mas, se houvesse uma eleição hoje, empataria tecnicamente com Aécio Neves.
O carisma não tem apenas sinal positivo. A história está cheia de carismáticos do mal, que num determinado momento mudaram a trajetória de seus países — para pior.
Não é preciso nem lembrar os mais bárbaros do século XX — Hitler, Stalin, Mussolini — basta olhar hoje ao redor do planeta.
Os terríveis líderes fundamentalistas religiosos atuais não deixam de ser carismáticos, ao inocular nos seus adeptos o vírus da dependência fanática. Da mesma maneira, um ditador excêntrico como Kim Jong-un, da Coreia do Norte, domina seu povo pela força, mas também por uma forma perversa de sedução.
Ironias do destino. Fidel, o carismático, acabou no ostracismo e, como protagonista da “nova era”, surgiu justamente seu irmão sem charme, sem fascínio, em uma palavra, sem carisma.
Zuenir Ventura
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