terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Soneto de mal amar

Invento-te    recordo-te   distorço 
a tua imagem mal e bem amada 
sou apenas a forja em que me forço 
a fazer das palavras tudo ou nada. 

A palavra desejo incendiada 
lambendo a trave mestra do teu corpo 
a palavra ciúme atormentada 
a provar-me que ainda não estou morto. 

E as coisas que eu não disse? Que não digo: 
Meu terraço de ausência    meu castigo 
meu pântano de rosas afogadas. 

Por ti me reconheço e contradigo 
chão das palavras mágoa joio e trigo 
apenas por ternura levedadas. 

Ary dos Santos, in 'O Sangue das Palavras' 

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