Dizem que o jogador de futebol morre duas vezes: quando para de jogar e quando o coração para de bater. A verdade é que meu coração parou de bater no momento em que deixei o gramado do estádio Couto Pereira, em Curitiba, para nunca mais atuar como profissional. Foi o abraço da minha família que me fez senti-lo pulsar novamente, anunciando uma nova vida.
Graças ao futebol pude realizar o sonho de toda criança e conquistar o que dificilmente conseguiria sem ele. Nasci em um lar humilde, cresci numa comunidade e só a minha família sabe das dificuldades por que passamos. O futebol nos salvou.
Há alguns anos as dores se tornaram insuportáveis e fiz o que a razão e o meu corpo pediam. Entre tratamentos e concentrações, participava de grupos de discussão e me atualizava sobre outras óticas desse apaixonante esporte, pavimentando, quem sabe, um futuro caminho de retorno aos gramados, só que em outra perspectiva.
De um dos grupos de discussão nasceu o Bom Senso Futebol Clube, considerado por muitos um dos mais significativos movimentos do nosso futebol, com várias propostas e um desejo: o bem do futebol brasileiro. Quem disser outra coisa, ou não enxerga o cenário atual, ou defende interesses pouco louváveis.
Cruzamos os braços, sentamos no gramado e esperamos uma resposta da CBF e das federações. Reunimos mais de mil atletas para reivindicar melhorias para a categoria e para salvar o futebol brasileiro.
Milhares de garotos deixam suas casas em busca dessa grande ilusão que é jogar futebol no Brasil, mas apenas 1 em cada 3.000 jovens consegue entrar nas categorias de base de um clube e nem 5% desses “uns” conseguem se tornar profissionais de alto nível.
No país que respira futebol sabemos de mais e estudamos de menos. Falta competência, compromisso, responsabilidade, paixão e visão. Os que se perpetuam no poder não têm a mínima ideia do que fazer para promover o futebol, primeiro como importante instrumento de educação, cidadania e transformação. Depois, como espetáculo
Confundem a seleção brasileira com o futebol praticado no país, que está às traças. Exploram as cores da nossa bandeira, os nossos sentimentos, mas não dão nada em troca.
Discutimos por mais de um ano com a CBF, os clubes e o governo federal sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte, cujos débitos dos clubes –que alcançam quase R$ 5 bilhões– seriam refinanciados em 240 meses em troca de mecanismos que puniriam gestores e instituições por descontrole de contas e irresponsabilidade na gestão.
Recentemente, a “bancada da bola” da Câmara Federal, formada por deputados que atuam a favor de quem está no poder do futebol, acrescentou a um projeto de lei sobre aerogeradores –assunto que nada tem a ver com futebol– uma medida provisória para que os clubes tenham suas dívidas fiscais refinanciadas sem contrapartida alguma.
Parcelar as dívidas dos clubes sem contrapartidas não significa salvá-los. Uma medida como essa continua distanciando cada vez mais o futebol brasileiro do profissionalismo e da modernização.
O governo ainda pode anular essa gambiarra e acredito que a presidente Dilma esteja realmente sensibilizada com a situação do nosso futebol e possa vetar esse jogo sujo.
Ouso sonhar com um Brasil de primeiro mundo, onde a educação, o esporte e cidadania possam ter o valor e destaque que merecem.
*ALEXSANDRO DE SOUZA, 37, o Alex, ex-jogador de futebol, é um dos idealizadores do Bom Senso FC, associação dedicada a promover reformulações no esporte. Jogou em clubes como Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro e Fenerbahçe (Turquia), além de ter atuado pela seleção brasileira.
Folha de São Paulo
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