terça-feira, 2 de setembro de 2014

A intensidade de um sentimento

Creio que a intensidade de um sentimento tem que ver com o número de elementos a que se aplica. Penso assim que ele varia na razão inversa do número desses elementos. Quanto maior for o número de filhos, menor é a alegria ou o desgosto que cada um provoca ao pai. O máximo de sentir diz respeito a todos e divide-se portanto por cada um. Se um indivíduo é o chefe de um povo, transfere para a coletividade a sua capacidade de sentir. Assim ele é praticamente insensível perante a sorte de cada um. A famosa insensibilidade de um chefe tem que ver com isso. O mesmo para o autodomínio que se refere a um indivíduo particular. Julgo que na realidade se trata de uma distribuição do seu sentir por vários elementos dos quais por exemplo os filhos (ou ele próprio) são apenas uma fração. O resto dessa fração pode ir para os seus negócios, o seu partido político, os seus amigos ou amantes, o seu clube.
 
E então o admitável autodomínio tem apenas que ver com uma parcela do sentir. E com essa parcela já se pode ser forte e aguentar. Isto, se se não trata apenas, como julgo já ter dito, de uma alienação da emotividade e seu motivo, ou seja de um apartá-los de si, de um torná-los estranhos, ou alheios, como na situação vulgar de uma dor que é dos outros e nos não diz portanto respeito. É, de resto, o que até certo ponto eu tento aqui com o caso do Lúcio, reduzindo-o à escrita, ou seja objetivando-o, ou seja, separando-o de mim.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 5'

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