segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Matemática e corpo

Se existe alguma coisa que justifica o surgimento do ser humano neste planeta é ele ter concebido a matemática, e digo aqui a matemática no seu sentido mais amplo, que inclui a geometria, a aritmética, a música, a zorra toda. Não quero dizer que ela seja mais importante do que tudo, e na verdade acho que está muito longe disso. A coisa mais importante da vida é a felicidade do corpo, o em-paz do corpo, o na-ponta-dos-cascos do corpo, o turbinas-a-toda-potência do corpo, a alegria-de-viver do corpo, o vou-tomar-todas-porque-sou-indestrutível do corpo. O corpo, a gente joga a toalha: o corpo é a base do real. A matemática é simplesmente o vislumbre da perfeição.


A matemática nos sugere o possível mundo Trans-Humano do futuro, em que todos seremos mente pura, gravada em elétrons e silício, livres das dores, das carências e da decadência do corpo. Não sei o que sente o corpo alheio, mas os prazeres e os achaques do meu me bastam. Tenho dias sempre movimentados. O corpo ocupa cada um de nós 24 horas por dia. É único e não se conecta em rede. Talvez por isso nunca consegui ver o arco-íris que tantos outros viam, a estrela cadente que tantos apontavam, o fantasma que todo juravam trêmulos que estava ali, diante de nós. Pobre de mim, que vejo uma ciclóide e não vejo um fantasma.

Quando conseguirmos transformar em .gifs animados tudo que sabemos sobre o espaço e suas dimensões. Quando conseguirmos codificar isso numa tecnologia que qualquer raça, por mais física e quimicamente diferente de nós, consiga reproduzir e utilizar. Quando, enfim, pudermos revelar a uma raça alienígena qualquer o que descobrimos sobre a matemática pura do Universo, somente então teremos justificado nossa presença na Terra. Talvez nossa aritmética e nossa geometria (nossos lados digital e analógico) não sejam perceptíveis por todas as espécies inteligentes que há. Faz sentido. Mas também faz sentido supor que exista alguma semelhante à nossa, ou pelo menos capaz de ver como vemos e raciocinar como raciocinamos, pouco importa sua aparência anatômica ou sua composição química.

Imagino um mundo distante, um mundo submarino com uma civilização compartilhada entre cetáceos e cefalópodes, e onde um dia cheguem, sabe-se lá como, demonstrações cabais da existência de que existia, num passado remoto, um raciocínio abstrato em termos visuais, no terceiro planeta em volta de uma estrela periférica. Eles olharão aquilo e comentarão: “Vejam só, eram mamíferos antropóides de superfície, respiravam oxigênio, e mesmo assim conheciam o Yamigang do Kambalaôr.” (É assim que chamam o “Teorema de Pitágoras” na cultura deles.)

 
Bráulio Tavares
(mundofantasmo)

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