A decisão do STF de soltar presas grávidas e com filhos de até 12
anos parece um ato de benevolência – mas é só mais uma desculpa para
mais um pouco de coitadismo penal.
O caso da jovem traficante Jessica Monteiro, que deu à luz um filho
um dia após ser presa em São Paulo, serviu como storyline para uma
campanha da mídia de amortização de uma causa aventada na Justiça e
votada na terça-feira: um habeas corpus que, vencidos os devidos
trâmites, pode beneficiar até 4.560 mulheres presas no país. Grávidas ou
que tenham filhos até 12 anos serão transferidas para prisão
domiciliar.
Os números podem assustar, se a manchete fosse de um país de civilização avançada. Tratando-se
do Brasil, onde se pode morrer esfaqueado por um celular, a tônica
costuma se inverter. Perguntadas ao acaso, é difícil crer que as pessoas
nas ruas considerem que um dos grandes problemas do país é o excesso de
mulheres grávidas presas, quase como se vivêssemos num Estado policial
onde os agentes da lei saíssem por aí prendendo grávidas.
É óbvio que a mera visão imaginativa de uma grávida presa é chocante
pelo contraste entre a beleza da vida e a decadência da prisão, a
fragilidade contra a força dos grilhões. Desde o Antigo Testamento, a figura do preso é usada em várias parábolas sobre libertação como justiça.
Contudo, parece que esqueceram de explicar ao povo que estas grávidas não estão sendo “perseguidas” ou o que quer que seja. A maioria delas são, afinal, criminosas
(o benefício é válido apenas para presas ainda não condenadas). Algumas
presas por tráfico, extorsão ou participação em crimes cujas
conseqüências produzem seqüelas violentas em vidas alheias. Ainda que
crimes violentos não sejam contemplados, é fácil ver uma discrepância
brutal entre o que sente a população sobre a Justiça (e o povo se sente
profundamente injustiçado) e o que pretende nosso Judiciário.
A tendência vista por praticamente todas as notícias com esta
coordenação via storyline entre mídia e Justiça é no sentido de tirar
criminosos ou possíveis criminosos da cadeia com toda a pressa do mundo,
usando todas as desculpas no horizonte, enquanto a população sente falta de punição aos criminosos.
No caso das grávidas, a discrepância e o contraste só demonstram algo
mais grave, e não este atenuante de ternura que a mídia insiste em nos
vender: não é que estamos prendendo tanto, mas tanto, que
precisamos ir liberando todos os presos pelas margens, começando pelos
mais frágeis, como grávidas. Pelo contrário, o problema é que há tantos
criminosos à solta que inclusive grávidas estão cometendo crime.
Nesta frase, a ordem dos tratores altera o viaduto. Toda a sensação que se quer passar é alterada. Mas
a realidade do dia a dia nunca é traduzida de maneira eficiente pela
mídia – que parece viver na bolha do jornalismo e do coitadismo penal, a
ideologia que tenta explicar o Brasil.
Ademais, não urge ser um gênio do comportamento humano, conhecido por
antropólogos, publicitários, psicólogos e economistas, mas até por
qualquer uma que já foi, afinal, mãe, para saber que seres humanos entendem como reforçamento aquilo que é tolerado.
Rapidamente, é visto como um incentivo. Afinal, parece que apesar de
toda a campanha midiática contra a família, contra filhos e a
maternidade, são justamente aquelas que cometeram crimes que são
incentivadas a ficarem grávidas.
Com visitas íntimas, é fácil ver uma explosão futura de mulheres ainda não-condenadas fazendo de tudo para ficarem grávidas. E a julgar pela fracassada tese de “desigualdade social” como facilitadora de crimes, seriam precisamente estas famílias com mais potencial para o crime que estariam sendo incentivadas a ter filhos.
É difícil notar como um diagnóstico errado está ativando uma bomba relógio?
Flávio Morgenstern - SensoIncomum
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