Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que
o outro note quando preciso de silencio e não vá embora batendo a
porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que
o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha
solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou
bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que
o outro sinta quanto me dói a ideia da perda, e ouse ficar comigo um
pouco mais – em lugar de voltar logo à sua vida, indo porque lá está a
sua verdade mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar sem motivo depois de um dia daqueles, o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou que não o amo mais.
Que
se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde
nem dizendo “Olha que estou tendo muita paciência com você!”
Que
se me entusiasmo por alguma coisa o outro não a diminua, nem me chame de
ingênua, nem queira fechar essa porta necessária que se abre para mim,
por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que quando levanto de madrugada e ando pela casa, o outro não venha
logo atrás de mim reclamando: “Mas que chateação essa sua mania, volta
pra cama!”
Que se eu peço um segundo drinque no restaurante o outro não comente logo: “Pôxa, mais um?”
Que se eu eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que
o outro – filho, amigo, amante, marido – não me considere sempre
disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando
não estou podendo ser nada disso.
Lya Luft, do livro ‘Pensar é transgredir’. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
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