O tráfico de drogas é um negócio bilionário, tentacular e violento
que se espalha pelo tecido social da mesma forma que um câncer metástico. Nenhuma,
ou quase nenhuma outra atividade lícita ou ilícita, oferece a mesma
rentabilidade. Em que pese a crueza da analogia, ela é perfeita, pois
revela, com precisão, o modus operandi deste negócio. Qualquer análise
que desconheça essa realidade pecará pela imprecisão.
Aos traficantes pouco importa os meios utilizados para atingir os seus fins. Não há, por parte deles, qualquer juízo moral. Isso ocorre porque estes agentes econômicos são estritamente racionais
(1). O que lhes interessa é atingir os resultados esperados, ainda que,
para isso, usem subterfúgios que, para nós, comuns do povo, seriam
impensáveis, tais como o uso de gestantes na estrutura criminosa.
A possibilidade de enriquecimento quase instantâneo serve como
poderoso magneto que atraí pessoas dispostas a tudo para obter lucro
fácil, independentemente de qualquer juízo de valor. A constatação
das motivações para o cometimento deste tipo de crime encontra guarida
em incontáveis pesquisas empíricas realizadas em presídios brasileiros e
no exterior.
Apontam as pesquisas que o interesse econômico, a alta rentabilidade e
a pouca probabilidade de punição são importantes incentivos que levam
os agentes a se aventurar no mundo da traficância (2).
O conhecimento desta realidade microeconômica, portanto, deveria ser
precedente a qualquer decisão jurídica ou política sobre o tema, pois,
dessa forma, evitar-se-ia a adoção de medidas com previsíveis e
desastrosas consequências. Infelizmente, não foi o que ocorreu durante o julgamento do HC 143641.
No dia 20 de fevereiro deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, por maioria, ao julgar HC Coletivo impetrado pelo Coletivo de
Advogados em Direitos Humanos (CadHu), em favor de todas as presas
grávidas e com filhos menores de 12 anos de idade, decidiu que as
mulheres nessa singular situação, independentemente da verificação de
outros critérios, se presas preventivamente estiverem, deverão ser
colocadas em aprisionamento domiciliar, sem prejuízo de outras medidas
alternativas à prisão, em prazo máximo de sessenta dias.
A decisão deve atingir de imediato, assim que implantada,
aproximadamente 4,5 mil mulheres, o equivalente a 10% da totalidade da
população carcerária feminina no Brasil, isso sem contar, é
claro, com as mulheres que, em idênticas condições, no futuro, ao serem
presas preventivamente, serão beneficiadas pelos efeitos do HC. O
relator do HC, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao votar, após fazer
inúmeras digressões acerca das afrontas aos Direitos Humanos que as
péssimas condições prisionais impõem às mulheres e a sua prole, decidiu: “[…]gestantes,
puérperas ou mães de crianças com até 12 anos sob sua guarda ou pessoa
com deficiência […]enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos
de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra
seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais
deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o
benefício[…]”- grifos nosso. (3)
A análise do caso concreto, a teor da decisão, em termos subjetivos e
objetivos, que sempre marcou a atividade judicial em matéria de
persecução criminal, deixará de ser relevante. Deverá o juiz,
diante dos pedidos de prisão domiciliar, deduzidos em favor de mulheres
grávidas ou com filhos infantes, conceder o benefício independentemente
da análise das disposições dos artigos 282 (que trata das hipóteses de
concessão de medidas diversas à prisão) e 312 (que trata das hipóteses
de prisão preventiva), ambos do Código de Processo Penal.
Aliás, no que diz respeito às exceções à regra estatuída judicialmente, a decisão foi absolutamente espartana.
Apenas nos casos em que a mãe praticar crimes marcados pela grave
ameaça ou violência, tendo a sua descendência como vítima, ou outras
hipóteses excepcionalíssimas (?), é que poderá o juiz negar o
aprisionamento domiciliar.
Como decorrência da decisão, não é preciso esforço intelectual mais
profundo para se perceber que, diante de tão grande oportunidade
comercial, os agentes econômicos ligados ao tráfico de entorpecentes vão
ajustar as suas estratégias de comercialização de drogas, recrutando,
com maior frequência, “colaboradoras” que ostentem o perfil descrito no HC. No
cálculo final da relação entre o custo e o beneficio de se traficar, a
gravidez e a maternidade de filhos menores de doze anos serão integradas
como decisivos vetores.
As consequências, como dito, são previsíveis. Dentre elas, o provável aumento da taxa de natalidade entre as mulheres que se dedicam ao crime. O tempo, senhor da razão, dirá.
Nas palavras do Conselheiro Acácio, personagem do rico universo do
escritor Eça de Queiróz, figura bazófia e das obviedades ululantes: “o problema das consequências é que elas sempre vêm no fim!!!
Eis o atual dilema brasileiro, as consequências da decisão em breve se farão sentir nas ruas!
1. Leia-se o artigo seminal de Gary S. Becker de 1968, que demonstra com riqueza de detalhes este comportamento.
2.
A literatura nacional tem sido enriquecida sobremaneira com estudos
neste sentido, especialmente por parte de Pery Francisco Shikida, cujos
estudos sobre sistema prisional incluem mais de dezoito anos de
pesquisas e análise comportamentais em todo o pais, corroborando
minuciosamente os modelos teóricos de comportamento racional do
criminoso, particularmente no caso do comércio de drogas ilícitas.
3.
Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticia
s/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152. Recuperado em 21 de fevereiro
de 2018.
Fábio Costa Pereira, Procurador de Justiça/RS e especialista em Inteligência Estratégica, e
Luiz Marcelo Berger, Doutor e Mestre em Administração.
Luiz Marcelo Berger, Doutor e Mestre em Administração.
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário